Informativo

Reviver Centro: a ocupação e a relação com o tempo

Escrito por Rogerio Goldfeld Cardeman e Fernando Veiga Bauler

Qualquer projeto ou plano, quando apresentado a um cliente ou à comunidade local, é mostrado de uma maneira que se entenda o desejo do planejador quando for finalizada a construção daquela obra, pode ser uma casa, um bairro ou uma cidade. Para a maior parte da sociedade, é difícil compreender que aquelas cenas mostradas, com árvores frondosas, crianças brincando nas praças e pessoas andando e ocupando as ruas, não se concretizam no momento da entrega da obra. Em grande parte dessas apresentações, fica faltando um fator que é de extrema importância, principalmente para o planejamento urbano, que é o tempo. As ações de todo planejamento deveriam levar em consideração esse fator.

Em parceria com:

 

Após quase três anos da aprovação do Programa Reviver Centro, na cidade do Rio de Janeiro, como está o andamento dele? Estão sendo criadas novas habitações na área central? Este texto tem o objetivo de fazer uma reflexão sobre este tema.

O programa Reviver Centro vem se desenvolvendo, nesses quase três anos, sobre esse caminho, o de que o tempo é que trará a cidade que queremos e a ocupação de uma grande parte de uma área que estava condenada pelo seu grande esvaziamento ao longo dos últimos anos, agravado pela pandemia a partir de 2020. Dados recentes mostram que diversas unidades têm sido lançadas. Segundo a pesquisa da Sinduscon-Brain, divulgada pelo atual prefeito da cidade, foram lançadas no centro, desde 2021, 1.104 unidades residenciais. Se juntarmos a isso os lançamentos da área do Porto, que não faz parte do programa, porém é vizinho da área central, se interliga a ela através do VLT e sua ocupação influenciará diretamente na ativação das áreas do centro, foram mais 2.804 unidades de 2021 a 2023, totalizando 3.908 unidades. Nota-se ainda que a região central está atrás no número de unidades residenciais lançadas em comparação com outras regiões de expansão, mas já fica à frente da zona sul com quase o dobro de unidades, e tem a melhor conversão em vendas entre todas as regiões da cidade.

Centro do Rio de Janeiro. Foto: Wikimedia Commons

Outro fator importante é que, segundo a Sérgio Castro Imóveis, “mais de 80% dos escritórios mais luxuosos e modernos da região já se encontram alugados”. O motivo disso está na redução do aluguel, motivada pelo esvaziamento, conforme dito anteriormente, e na existência de imóveis corporativos bem equipados na área central. Porém, os imóveis mais antigos, de pequenas salas comerciais, estão vazios. Nesse ponto existe a oportunidade, então, de transformá-los em unidades residenciais beneficiadas pelo programa Reviver Centro, trazendo o equilíbrio necessário entre os usos de comércio e serviços e o uso residencial.

Um dos fatores indutores da ocupação do centro por imóveis residenciais está justamente na possibilidade de transferência de potencial, através da operação interligada, para outras áreas da cidade, em especial os bairros de Ipanema e Copacabana. Ou seja, o empreendedor que construir na área do programa pode transferir potencial para edificar em outros bairros. Acreditamos que, neste momento, esse fator impulsiona bastante o desenvolvimento de novas edificações no centro. Porém, como dito, a cidade se faz ao longo do tempo, e é preciso ter novas ações públicas e privadas para que o Reviver Centro ande por conta própria, sem precisar se beneficiar desse instrumento de contrapartida.

Em 2023, após dois anos do programa, foi aprovada uma nova lei que revisa as suas condições, pois conforme já previsto pelos idealizadores do projeto, o Reviver Centro deveria ser acompanhado e sofrer ajustes ao longo do tempo. As principais alterações visam melhorar as condições de pagamento de contrapartidas e aumentar as áreas geradoras e receptoras do potencial a ser transferido, além de criar regiões de gabarito livre no Centro. Essas modificações reafirmam o intuito da lei original e tentam garantir o fluxo de investimentos na área central.

No momento em que a ocupação começa a surgir, fazem-se necessárias ações de governo que deem suporte a esse movimento. Nesse sentido, a prefeitura do Rio lançou dois programas, o “Reviver Cultural”, que tem objetivo de dar incentivo para que imóveis ociosos possam ser ocupados por estabelecimentos artístico-culturais, e o “Reviver Rua da Carioca”, que tenta transformar a Rua da Carioca, importante e tradicional via no centro, em um polo de indústria e comércio de cerveja.

Rua da Carioca, Rio de Janeiro. Foto: Wikimedia Commons

Segundo a pesquisa da ADEMI-Brain, o valor médio de venda na área central está em R$433.109,00, ainda um valor alto para que as populações atendidas por programas de habitação social se instalem nessa área. Apesar de existirem, na Lei, vários benefícios para a HIS, nenhum empreendimento foi desenvolvido para esse fim. Talvez o ideal seja realmente deixar que a ocupação pela classe média se consolide ao longo do tempo para que, após a melhoria da infraestrutura da área central, os entes públicos possam começar a criar habitações de interesse social, devendo para isso usar de sua grande quantidade de imóveis públicos ociosos nessa área, nas esferas municipal, estadual e federal.

Leia mais: O mercado de imóveis do Rio: entre a decolagem e a tempestade

Para nós, o programa Reviver Centro é uma grande experiência em termos urbanos e que, tendo sucesso, pode ser replicado em várias cidades, cada uma com sua característica, porém trazendo vitalidade para áreas consolidadas e com infraestrutura. Áreas essas que foram e ainda são de grande importância na história do Brasil. Mas para isso temos que ajudar o tempo com uma boa gestão urbana que dê suporte ao programa.  O tempo será bom com o centro do Rio.

Via Caos Planejado

Deixe um comentário

O seu endereço de e-mail não será publicado. Campos obrigatórios são marcados com *

OUTRAS NOTÍCIAS

Caos Planejado: Quais deveriam ser as prioridades para o urbanismo brasileiro?

Arquitetura Indígena: “a moradia indígena é a primeira casa brasileira”, diz José Portocarrero

Projetos de Lei buscam tornar calçadas mais acessíveis