Fonte: Público / Texto: Cláudia Lima Carvalho e Inês Nadais
O arquiteto e urbanista Nuno Teotónio Pereira morreu nesta quarta-feira (20/01), aos 93 anos. Com uma carreira de seis décadas, foi uma das mais destacadas personalidades da arquitetura e urbanismo em Portugal – e, possivelmente, o último dos arquitetos modernos. Pelo seu atelier da rua da Alegria, em Lisboa, que deixou de frequentar definitivamente depois de ficar cego, passaram sucessivas gerações dos mais importantes arquitetos e urbanistas portugueses, de Gonçalo Byrne a Nuno Portas. Ele completaria 94 anos em 30 de janeiro.
Os seus traços estão espalhados pelo país: da Igreja de Águas (1949-57), em Penamacor, o seu primeiro projeto, construído quando tinha 27 anos, à Moradia Barata dos Santos (1959-63), em Vila Viçosa, já projetada em parceria com Nuno Portas, passando pelos projetos de habitação social que realizou para Braga, Castelo Branco, Barcelos ou Póvoa de Santa Iria. Mas é em Lisboa que está o mais significativo conjunto de obras de Teotónio Pereira: o Bloco das Águas Livres (1953-56), assinado com Bartolomeu Costa Cabral; as torres do bairro de Olivais Norte (1957-67), projeto em coautoria com Nuno Portas e Pinto de Freitas, que ainda hoje é festejado como uma das melhores histórias da habitação social em Portugal; o icónico Edifício Franjinhas (1965-69), com João Braula Reis; e a Igreja do Sagrado Coração de Jesus, em Lisboa, novamente com Nuno Portas – os três últimos vencedores do prêmio Valmor.
Será justamente na Igreja do Sagrado Coração de Jesus, onde repetiu a proposta de assembleia em leque já experimentada em Penamacor, que o seu velório terá lugar esta quinta-feira, a partir das 17h. O funeral será em 22/01, às 13h30, no Cemitério do Lumiar.
Autor de vários artigos e comunicações nas áreas da arquitetura, do urbanismo, do patrimônio e do ordenamento do território, manteve também, com outros católicos progressistas, uma militância política extraordinariamente ativa, sobretudo durante o regime de Salazar, a que se opôs frontalmente, apesar de ter crescido numa família conservadora e simpática ao regime. Histórico defensor dos direitos cívicos e políticos durante os anos mais duros do Estado Novo (dinamizou o boletim clandestino Direito à Informação criado em 1963 para fazer a denúncia ativa da Guerra Colonial, integrou a Comissão Nacional de Socorro aos Presos Políticos constituída em finais de 1969), foi um dos mentores e participantes da famosa vigília da Capela do Rato de 30 de Dezembro de 1972, uma greve de fome de 48 horas destinada a promover a reflexão sobre a Guerra Colonial que a polícia acabaria por interromper fazendo várias detenções. Ele próprio seria várias vezes preso (e duramente torturado) pela PIDE. Quando finalmente se deu o 25 de Abril de 1974, estava aliás há vários meses na prisão de Caxias, de onde seria libertado um dia depois da revolução.
Já em democracia, prosseguiu a sua militância, tendo ainda em 1974 sido um dos fundadores (com Jorge Sampaio e Ferro Rodrigues, entre outros) do Movimento de Esquerda Socialista, extinto em 1981.
Na mensagem de condolências que enviou à família de Nuno Teotónio Pereira, Cavaco Silva recordou-o justamente não só como “um dos maiores arquitetos portugueses do século XX”, mas também como um “militante empenhado na defesa da liberdade, antes e depois do 25 de Abril de 1974”. O Presidente da República sublinhou a “carreira notável” ao longo da qual projetou “edifícios emblemáticos que nos fascinam pela rigorosa beleza do seu traço”, e a sua ação como “católico oposicionista” e, mais tarde, “defensor da independência dos povos africanos”: “Lutou toda a vida, com uma fé inabalável, contra todas as formas de opressão, dando o melhor de si ao seu país e à causa dos direitos humanos em todo o mundo”.
Também o ministro da Cultura, João Soares, lembrou a “figura maior e inovadora da arquitetura portuguesa” e o “cidadão especialmente corajoso que sempre pugnou pelas liberdades públicas e por uma sociedade mais justa”.
https://www.publico.pt/culturaipsilon/noticia/morreu-o-arquitecto-nuno-teotonio-pereira-1720838