Pela continuidade das obras em nossa favela! Rocinha pela manutenção do Programa Comunidade Cidade
O Programa Comunidade Cidade, anunciado e lançado oficialmente pelo então governador Wilson Witzel no dia 30 de janeiro de 2020 na presença de centenas de moradores e moradoras da favela da Rocinha, consiste em um conjunto de grandes intervenções em favelas do Rio de Janeiro nas áreas de saneamento básico, habitação, mobilidade urbana, resíduos sólidos e equipamentos urbanos. O programa teve seu início e primeiro planejamento para favela da Rocinha, a maior da América Latina e uma das mais emblemáticas do Estado do Rio de Janeiro, e conta com investimentos que totalizam R$2 bilhões em obras até 2025.
Na nossa favela, as mudanças anunciadas pelo Comunidade Cidade no caderno “Comunidade Cidade – Rocinha em Processo” são de grande envergadura, representando uma grande mudança para os moradores na melhoria de sua qualidade de vida. Estão previstas obras de ampliação da rede de distribuição domiciliar de água e da rede de esgotamento sanitário, abertura de vias e implantação de planos inclinados, construção de unidades habitacionais e realização de melhorias habitacionais, ampliação dos pontos de coleta de lixo e melhorias na gestão de resíduos sólidos, construção e reforma de escolas e creches, criação de postos de trabalho nas obras com o emprego da mão de obra local, entre outras tantas medidas que nós, moradores e moradoras, lutamos há muitas décadas e que nos aproximam da possibilidade de viver em plena dignidade, com direitos garantidos a todos nós, como cidadãos e cidadãs brasileiros.
Durante o ano de 2020, apesar dos inconvenientes e dificuldades trazidos pelo contexto da pandemia do Covid-19, pudemos presenciar o início da execução do Programa com a realização de obras pela Cedae em algumas regiões da comunidade, embora o conjunto de obras até agora realizadas tenha sido bem menor que o prometido pelo então governador Witzel para o primeiro ano do Programa. Foram os primeiros passos de uma iniciativa que contou, desde 2019, com o envolvimento de arquitetos, engenheiros e assistentes sociais, servidores de diferentes áreas do Governo do Estado e da Cedae, de diversos moradores e lideranças comunitárias, bem como da comunidade da Rocinha como um todo, de líderes e organizações do bairro de São Conrado e de uma diversidade de organizações e instituições da sociedade civil fluminense.
Foi nessa conjuntura, com as obras já em execução após mais de um ano do anúncio público feito pelo governador e o trabalho de mais de dois anos de moradores e profissionais envolvidos, que nossa comunidade recebeu com perplexidade a informação de encerramento do Comunidade Cidade. Ainda que não tenha ocorrido o anúncio oficial de encerramento, representantes do governo do Estado vem alegando escassez de recursos para a execução do Programa.
Muito nos estranha a justificativa até agora oferecida pelo poder público. Cabe aqui apontar brevemente que os recursos para o Programa Comunidade Cidade provêm, segundo informações públicas e informadas em eventos abertos para a comunidade, de duas fontes diferentes: a primeira, de acórdão decidido no Supremo Tribunal Federal (STF) que garantiu à Cedae cerca de R$2 bilhões a serem investidos em obras em comunidades do Estado, dentre os quais aproximadamente R$1 bilhão seria destinado às obras da Rocinha; a segunda, de fundos e diversas fontes que administram recursos do Tesouro estadual.
Representantes do governo alegam redução de recursos disponíveis devido à redução da arrecadação no ano passado devido aos efeitos econômicos da pandemia do Covid-19. Ainda que isso seja em parte verdadeiro, é preciso lembrar que: 1) Os fundos que seriam utilizados pelo Governo do Estado continuam a existir, mesmo que administrando um volume de recursos menor devido à queda de arrecadação; 2) como colocado, aproximadamente 50% do montante de investimentos não provém do Tesouro Estadual, mas de recursos garantidos à Cedae e que já se encontram em posse da mesma para serem investidos.
A esses questionamentos, soma-se o estranhamento causado a nossa comunidade que a informação de encerramento do Programa venha no momento em que o governo anuncia a continuidade das ações para a privatização da Cedae. Paralelamente à entrega da Empresa Pública para a iniciativa privada, vemos, sem maiores explicações, desaparecer metade dos recursos destinados a obras fundamentais para nossa favela. A água, um bem público universal, é tratada como mercadoria e, nós, moradores das favelas, somos os primeiros a sentir os impactos dessa mudança.
A Rocinha não pode, mais uma vez, ser vítima de grandes e falsas promessas que alimentam a esperança de nossos moradores e exigem o trabalho de inúmeros profissionais, mas nunca saem do papel. Nós, moradores, lideranças comunitárias, organizações e coletivos da Rocinha, de São Conrado e do conjunto da sociedade fluminense lutamos e exigimos a manutenção do Programa Comunidade Cidade, com participação democrática da execução do Programa e a realização das obras prometidas. Saneamento, habitação, mobilidade e educação são direitos de todos nós, moradores da favela e do asfalto! Não ao fim do Comunidade Cidade! Pela continuidade das obras em nossa favela!
Gabriel Rolemberg – Professor – Pré-vestibular comunitário Só Crias da Rocinha