Arquiteto deixa um rico legado e teve uma importante participação nas discussões sobre a profissão
Faleceu na madrugada de 16/08/2016, em São Paulo, o arquiteto Pedro Paulo de Melo Saraiva. Tinha 83 anos, atuou com inúmeros parceiros e deixa como legado uma obra extensa, diversificada, com especificações rigorosas e digna de elogios, que inclui o Edifício Quinta Avenida e o Salão de Festas do Clube Sírio, em São Paulo; a sede administrativa da Prodesp, em Taboão da Serra (SP); os edifícios Portofino e Portovelho, mais a sede do Clube XV, em Santos; e a Escola de Administração Fazendária (ESAF) e as sedes da CNI e do CONFEA, em Brasília.
O velório acontece hoje, terça-feira (16), a partir das 12h, no Instituto dos Arquitetos do Brasil – IAB/SP, Rua Bento Freitas 306, Vila Buarque, São Paulo. O corpo será cremado amanhã (17) as 07h no Crematório Vila Alpina, Av. Francisco Falconi, 437 – Jardim Avelino.
O CAU/BR lamentou, por intermédio de seu presidente, Haroldo Pinheiro, a perda do colega. “Professor admirado, Pedro Paulo Melo Saraiva deixa um legado de obras que reflete bem o apurado rigor no desenho e nas especificações de projeto que exigia de seus alunos. Foi igualmente um ativo colega militante pelas causas da profissão e seu pensamento sobre o papel da Arquitetura fará muita falta, em especial no momento em que o projeto é menosprezado pelo Poder Público”.
Para Gilberto Belleza, presidente do CAU/SP, Melo Saraiva foi um dos mais importantes nomes da Arquitetura brasileira”. Segundo Belleza, “com uma obra de destaque, tornou-se um dos expoentes da Arquitetura paulista. Além da produção arquitetônica desenvolvida, teve um papel fundamental no ensino como professor. Teve também uma grande contribuição para a política profissional, na defesa dos interesses dos arquitetos, como presidente do IAB/SP e como membro da Direção Nacional do IAB em duas gestões. Por isso, o CAU/SP se orgulha de ter patrocinado a publicação da obra ‘Pedro Paulo de Melo Saraiva, arquiteto’, uma das últimas homenagens a esse importante arquiteto”.
REFLEXÕES – Nascido em Florianópolis em 29 de junho de 1933, o arquiteto Pedro Paulo de Melo Saraiva se formou no Mackenzie, em 1955, um ano depois de Paulo Mendes da Rocha. Em 1962, ambos entraram na FAU USP para trabalharem como assistentes de João Batista Vilanova Artigas. Atualmente dava aulas no Mackenzie e era considerado por Júlio Artigas, também arquiteto e filho de Vilanova Artigas, o melhor professor de Arquitetura em atividade no país. Ele lecionou também na UnB.
Militante na profissão, era “um personagem influente e presente em tantos acontecimentos decisivos da arquitetura moderna brasileira”, nas palavras do arquiteto Luis Espallargas Gimenez, professor do Instituto de Arquitetura e Urbanismo da USP-São Carlos, autor do livro “Pedro Paulo de Melo Saraiva, arquiteto “, lançado pela Romano Guerra Editora no mês de maio de 2016, com patrocínio do CAU/SP.
“Ele se formou no início dos anos 50, quando a Arquitetura Moderna vivia o seu melhor momento, na minha opinião. A Arquitetura, após os anos 70, deixou o Modernismo e começou a época do Brutalismo, o Pós-modernismo. Mas ele mantém as convicções, a sensibilidade da Arquitetura Moderna ao longo de toda a sua carreira, enquanto outros, até formados na mesma época, preferiram abraçar a Arquitetura do momento”, afirma Espallargas Gimenez.
Em entrevista para Maurício Pauis, publicada na edição de julho da revista “Brasileiros”, Pedro Paulo de Melo Saraiva afirmou que os entraves para o desenvolvimento da Arquitetura brasileira residem em seus principais clientes: o Estado e os empresários. “A nossa elite é muito ignorante. Antigamente as elites paulistanas tinham uma cultura europeia. Toda essa cultura pré-1922 era europeia. Veja os casos de Mario de Andrade, Oswald de Andrade. Hoje não tem mais isso. Há certa massificação e certa falta de consistência na produção das artes em geral no Brasil. E a arquitetura faz parte desse contexto”.
A legislação brasileira, de acordo com Melo Saraiva, não ajuda muito. “De uns tempos para cá, os arquitetos têm perdido prestígio e isso está ligado à forma de contratação. A Lei de Licitações prejudica porque é preciso levantar preços, fazer concursos e licitações. Só que a lei julga os projetos pelo preço. É um retrocesso.” Isso poderia ser evitado se os administradores públicos elaborassem bons cadernos técnicos para os projetos, com as especificações mínimas que teriam de respeitar.
Leia a entrevista completa: Nossa elite é ignorante
OBRA – Outros contemporâneos de faculdade com quem Pedro Paulo Melo Saraiva trabalhou, em projetos e concursos, e que igualmente se tornaram arquitetos de destaque, foram José Maria Gandolfi, Luiz Forte Netto, João Eduardo de Gennaro, Jorge Wilheim, Fábio Penteado, Marc Rubin, Alberto Botti, Júlio Neves, Francisco Petracco e Alfredo Paesani, entre outros.
Assista depoimento de Melo Saraiva sobre Vilanova Artigas
Na época em que eles se formaram, só existiam em São Paulo dois cursos de Arquitetura: o do Mackenzie e o da FAU USP. “Os professores do Mackenzie estavam mais preocupados com os processos construtivos, enquanto a FAU estava focada na questão social. Apesar disso, Artigas nos chamou, o Paulo um ano antes. Levantamos questões importantes sobre o papel do arquiteto e o desenvolvimento do País nos anos 1960. Demos a temática da pré-fabricação como um programa a ser defendido pelos alunos”, disse à “Brasileiros”
Nessa entrevista, o arquiteto ressaltou a importância dos espaços abertos na Arquitetura brasileira. “Nossa arquitetura é sem grades, uma arquitetura do espaço aberto. O que se vê ultimamente é que, por causa do problema de segurança, os edifícios têm grades. E elas são cada vez mais complexas. Fazem até eclusas para o carro entrar. Sistemas usados em entradas de bancos servem para habitações. É uma loucura”. Ele lembrou, porém, que os novos tempos, com a preocupação crescente com a segurança pública, o modelo tem sido colocado em xeque. “Meu prédio na rua Pará, em Higienópolis, na capital paulista, também foi feito com pilotis e sem grades, mas houve tanta pressão dos moradores que eu tive de fazer uma grade. Fiz uma elegante.”
Recém-formado em 1955, Saraiva forma equipe com Júlio Neves e participa do Concurso do Plano Piloto da Nova Capital, quando aproveita para visitar as obras do Palácio da Alvorada e do Hotel de Brasília, que iniciaram construção antes do concurso. Logo depois, ainda no final anos 1950, irá projetar, com Miguel Juliano, o Edifício Quinta Avenida – quando inicia profícua colaboração com o Engenheiro Roberto Zuccolo, calculista de muitas de suas obras –, e o Edifício CNI em Brasília, com Paulo Mendes da Rocha. Com este, ganha o concurso para a Assembleia Legislativa de Santa Catarina, em 1957, mas perde o concurso do Clube Paulistano em 1958, ficando em segundo lugar. Em 1962, com o Edifício Pedra Grande, Saraiva inicia parceria com o outro engenheiro de sua confiança, Mário Franco, responsável pelo conceito estrutural e para quem projetaria a casa da família.
Pedro Paulo de Melo Saraiva é autor de uma obra numerosa e importante, com destaque para a Sede Social do Clube XV (com Francisco Petracco, Santos, 1963), Salão de Festas do Esporte Clube Sírio (com Miguel Juliano e Sami Bussab, 1966), Palácio da Justiça do Estado de Santa Catarina (com Francisco Petracco e Sami Bussab, Florianópolis, 1966), Ponte Colombo Salles (Florianópolis, 1971), Escola de Administração Fazendária – ESAF (com Sergio Ficher, Brasília, 1973), Sede Administrativa da Prodesp (com Setsuo Kamada, 1975), Requalificação do Mercado Municipal (Pedro de Melo Saraiva e Fernando de Magalhães Mendonça, São Paulo, 2002), Edifício Sede do Confea – Conselho Federal de Engenharia, Arquitetura e Agronomia (com Pedro de Melo Saraiva e Fernando de Magalhães Mendonça, Brasília, 2007), além de uma série qualificada de edifícios em São Paulo, casos do Solar do Conde (com José Maria Gandolfi, 1962), Capitânia e Acal (com Sergio Ficher e Henrique Cambiaghi, 1973 e 1974), Albar e Tamar (com Maurício Tuck Schneider, 1963 e 1964) e Chateau de Ville (1985).
Nos anos 1960 projeto uma série de edifícios em Santos para o engenheiro e incorporador Rubens Paiva, com destaque para o Portofino (1961) e Portovelho (com Francisco Petracco, 1963). Nos últimos anos, projetou a requalificação do Mercado Municipal (2002) e o ginásio de tênis do Esporte Clube Pinheiros (2012), em São Paulo. Atualmente desenvolvia uma série de projetos para Ilhabela, litoral de São Paulo.
Sobre a obra de Melo Saraiva, Luis Espallargas afirmou: “Importa perceber que o arquiteto não cede às coisas fáceis para causar sensação, que a Arquitetura não estabelece uma solução peculiar para cada problema específico, mas reconhece a adequação das respostas conhecidas”.
CONCURSOS – Participante ativo de concursos de arquitetura, com diversas obras realizadas através dessa modalidade, concorreu sem êxito nos concursos para o Centre Beaubourg (Paris, 1971), Pavilhão Brasileiro na Feira Expo’92 de (com Sidney Rodrigues, Sevilha, 1992) e Centro de Conferências de Libreville (com Pedro de Melo Saraiva, Fernando de Magalhães Mendonça, Gustavo Cedroni, Martin Corullon e César Shundi Iwamisu, Gabão, 2012).
Neste último, vencido por Work Architecture Company, ficou em 2olugar, à frente de arquitetos e escritórios renomados, diversos deles ganhadores do prêmio Pritzker: Jean Nouvel, Norman Foster, Frank Gehry, Herzog & De Meuron, Sou Fujimoto, Peter Zumthor, Diller Scorfidio + Renfo, Rem Koolhaas, Renzo Piano e Zaha Hadid.
CARGOS PÚBLICOS – Entre o final da década de 60 e início dos 80, Melo Saraiva acumulou passagens importantes pelo poder público, trabalhando nos órgãos de planejamento da Universidade de Brasília, para o governo de Santa Catarina, na Empresa Municipal de Urbanização (Emurb) de São Paulo, e para o Banco Nacional de Habitação (BNH) em São Paulo e Mato Grosso.
Em Santa Catarina, ele se envolveu com o Plano de Desenvolvimento da Área Metropolitana de Florianópolis, elaborado pelo Escritório Catarinense de Planejamento Integrado (Esplan).
REPERCUSSÕES – Para o Presidente do CAU/SP, Gilberto Belleza, “o arquiteto Pedro Paulo de Melo Saraiva foi um dos mais importantes nomes da Arquitetura brasileira”. Segundo Belleza, “com uma obra de destaque, tornou-se um dos expoentes da Arquitetura paulista. Além da produção arquitetônica desenvolvida, teve um papel fundamental no ensino como professor da Universidade de Brasília (UnB), da USP e da Universidade Mackenzie. Teve também uma grande contribuição para a política profissional, na defesa dos interesses dos arquitetos, como presidente do IAB/SP e como membro da Direção Nacional do IAB em duas gestões. Por isso, o CAU/SP se orgulha de ter patrocinado a publicação da obra ‘Pedro Paulo de Melo Saraiva, arquiteto’, uma das últimas homenagens a esse importante arquiteto”.
“Convivi com o Pedro Paulo quando atuamos no Conselho Superior do IAB-SP [gestão 2006-2007]. Ele sempre foi um batalhador pela Arquitetura brasileira de qualidade, que tivesse raízes na contemporaneidade do Brasil”, diz o conselheiro Edson Elito. “E também foi um dos que atuaram pela criação do CAU”, acrescenta, lembrando que o arquiteto, além do IAB, também atuou no SASP (Sindicato dos Arquitetos no Estado de S.Paulo).
O conselheiro suplente do CAU/SP, Sami Bussab, teve uma convivência de longa data com o arquiteto. Juntos, venceram o concurso para o projeto da Sede Social Esporte Clube Sírio (1966), com a colaboração de Miguel Juliano, em São Paulo/SP. “Na obra toda do Pedro Paulo, a estrutura sempre foi a protagonista. Ele conseguiu fazer do aspecto estrutural o aspecto predominante, e construir uma estética a partir disso”, constata.
O arquiteto e urbanista Francisco Petracco, colaborador e amigo de Pedro Paulo de Melo Saraiva desde a década de 50, quando passaram pela Universidade Mackenzie (em anos distintos), lembra dos trabalhos realizados juntos. Ambos projetaram uma obra-prima da Arquitetura brasileira em 1963, infelizmente demolido no final dos anos 90: a sede do Clube XV, em Santos/SP.
“Nós fizemos todo o trabalho muito rápido, em quatro ou cinco dias, no máximo. Praticamente nos internamos no escritório dele e fizemos. Nós verificamos a paisagem de Santos e vimos que os prédios no entorno eram muito altos, de 17 andares. Vimos que aquele local era absolutamente uma grande praça e usamos esse critério para fazer um prédio em que o vazio ia ser mais forte do que o volume. (…) Fizemos aquele edifício como que flutuando nessa praça”. Petracco ressalta que “não existia aquela ciumeira que tem hoje entre os nossos colegas. O Paulo Mendes [da Rocha], por exemplo, fez uma perspectiva para nós (…), tivemos inclusive o apoio de vários estudantes. O nosso colega do Mackenzie, Sami Bussab, foi guiando o carro, a 200 ‘por hora’, e entregamos [o projeto] no limite. Fomos quase os últimos a entregar, e quase, por pouco, não fomos desclassificados”.
LIVRO – Com recursos obtidos via edital do Conselho de Arquitetura e Urbanismo de São Paulo – CAU/SP, e autoria do arquiteto e professor Luis Espallargas Gimenez, o livro Pedro Paulo de Melo Saraiva, arquiteto foi lançado pela Romano Guerra Editora no mês de junho de 2016.
Produzido a partir de ampla pesquisa documental e iconográfica, além de entrevistas com o próprio Pedro Paulo. A partir de seus relatos, o livro aborda as seguintes questões: origem e formação, influências e principais edifícios residenciais, diversidade de programas e tipologias de projetos, questões técnico-construtivas, atuação em agências governamentais, além de sua vida acadêmica, como assistente de Vilanova Artigas, ao lado de Paulo Mendes da Rocha, na FAU USP, e como professor titular da FAU Mackenzie.
O livro conta também com destaques dos projetos de grande relevância social e qualidade arquitetônica e ensaios fotográficos de edifícios, de autoria do fotógrafo Nelson Kon, Joana França, Leonardo Finotti, Marcos Piffer, entre outros.
Texto: CAU/BR
Fontes: Vitruvius, Revista Brasileiros, CAU/SP, IAB-SP e livro “Pedro Paulo de Melo Saraiva, arquiteto”.
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