A obra de implantação da ciclovia Leblon-São Conrado, que desabou parcialmente no dia 21/04, foi contratada por menor preço, modalidade de licitação que dispensa o julgamento técnico da proposta, prevalecendo o valor mais baixo. E o gerenciamento da obra foi feito por empresa do mesmo grupo da empreiteira. Ambos os procedimentos, previstos na atual legislação licitatória do país, são criticados pelas entidades de Engenharia, Arquitetura e Urbanismo no processo de revisão da Lei de Licitações que corre no Congresso.
Para o presidente do Conselho de Arquitetura e Urbanismo do Brasil (CAU/BR), Haroldo Pinheiro, ainda que as causas do desabamento da ciclovia Tim Maia não tenham sido oficialmente apuradas, é impossível dissociar a tragédia da situação grave a que chegou o planejamento urbano no país, onde a legislação licitatória tem enorme peso.
“É triste saber de mais um acidente em obra pública com vítimas fatais. O que temos visto, de forma geral, é que o projeto é deixado em segundo plano para favorecer cronogramas políticos e, ao final, o que se verifica é que os prazos não são cumpridos, os custos sofrem reajustes consideráveis e a qualidade das obras não reflete o conhecimento técnico acumulado pela Engenharia, Arquitetura e Urbanismo do país. Essa prática corrói nossas cidades e transformam cidadãos em vítimas. Além do mais importante, as vidas, perdem-se ainda oportunidades raras, como essa, de agregar à paisagem exuberante do Rio de Janeiro um projeto belo e seguro”.
O desabamento causou duas mortes e ao menos um desaparecimento. Segundo o jornal “O Globo”, o contrato da obra foi assinado em 13 de junho de 2014 e o prazo de conclusão previsto era de 360 dias. Como a inauguração só ocorreu em janeiro de 2016, houve um atraso de cerca de seis meses. O valor inicialmente previsto era de R$ 35 milhões e, no fim, chegou a R$ 44,7 milhões, quase 30% a mais. Foram feitos oito aditivos.
O CAU/RJ divulgou nota lamentando as mortes provocadas pelo acidente na recém-inaugurada ciclovia Tim Maia e se solidarizando com as famílias das vítimas. A nota diz ainda que “o CAU/RJ está enviando ofícios aos órgãos públicos, à empresa e à polícia para que informem os profissionais responsáveis pelos projetos básico e executivo, a licença de obra e cópias dos projetos aprovados, as empresas responsáveis pelo projeto e execução da obra e demais documentos técnicos relevantes. Caso sejam identificados arquitetos e urbanistas entre os profissionais, o Conselho irá chamá-los para que prestem esclarecimentos”.
Para o presidente do CAU/RJ, Jerônimo de Moraes, o acidente é gravíssimo não só por ter provocado pelo menos duas mortes, mas também por abalar a credibilidade das obras púbicas em andamento no Estado. “Desde ontem, inevitavelmente, está sendo posta em dúvida a capacidade de o Rio de Janeiro garantir a segurança de suas obras”, afirmou. “É preciso que se apure com rigor as responsabilidades nas diferentes fases desta construção”.
Jerônimo de Moraes afirmou que o acidente reforça a importância da frequente defesa que o Conselho de Arquitetura e Urbanismo faz do projeto completo como instrumento social de controle em obras públicas, garantindo a segurança e qualidade delas.
Na mesma linha, Sérgio Magalhães, presidente do IAB, lembra que o desprezo pelo planejamento é patente com o uso contínuo do instrumento da “contratação integrada”, que transfere para as empreiteiras a elaboração dos projetos de arquitetura e engenharia, além da responsabilidade pelas obras, seu gerenciamento e testes finais. “É urgente revogar esse modelo promíscuo. Não só por preço e por prazo, também por vidas”, diz ele no artigo “A saída do labirinto”, publicado em “O Globo” em 23/04/16.
Para Pedro da Luz, presidente do IAB/RJ, persiste no país um pensamento equivocado de que “o tempo dedicado ao projeto é perda de tempo. Como se o ato de pensar antes de fazer, que ao final é o sentido do plano e do projeto, fosse uma perda de tempo, uma vez que a obra com sua dimensão prática resolveria no calor do canteiro todos os problemas”. Leia o artigo “A ciclovia Leblon-São Conrado, tragédia anunciada” publicado pelo arquiteto em seu blog.
Fonte: CAU/BR