Déficit de cidadania
Saibamos aproveitar uma eventual atenuação da violência e do medo, a fim de buscarmos novos caminhos para a construção de uma paz duradoura
26 de fevereiro de 2018 |
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*Sérgio Magalhães
A resposta para a violência urbana não se dará no curto prazo, sabemos, o que não exclui a necessidade de medidas de emergência. Mas, tal como ocorreu com as UPPs, não serão suficientes. Também não se trata de complementá-las com um “banho de governo” nas áreas hoje dominadas. A resposta é mais complexa: precisamos de um novo acordo político.
A vida em cidade é prova da disponibilidade da humanidade para o convívio e o bem-estar. Imagine: quantas graves questões de convivência podem ocorrer em uma família? Em um edifício, em um bairro? No caso de uma metrópole como o Rio, onde vivem 12 milhões? Que milagre é esse que permite a convivência?

Rio de Janeiro – Desocupação de terreno de fábrica desativada na parte baixa da favela da Mangueira, na zona norte da cidade (Fernando Frazão/Agência Brasil)
O compartilhamento de valores morais e éticos, que constroem a coesão social, é o cerne do poder viver em paz. Não é a repressão que faz a paz. Vivemos em um mundo totalmente acessível e interligado; não é mais possível desconhecer os legítimos direitos de cidadania. Nessa sociedade aberta, como desejamos, a coesão é obra política.
O sociólogo-historiador Jorge Caldeira, no instigante “História da riqueza no Brasil”, reuniu estudos que demonstram como foi desconsiderado o papel da sociedade de economia não exportadora, distribuída pelo território, desde os tempos coloniais. Também no Império prevaleceu tal percepção: “Tanto quanto os costumes dos súditos analfabetos, tudo que se referia aos interesses do mercado interno era invisível para o governo imperial”.
Esse entendimento ainda vigora. As políticas hegemônicas no Brasil continuam reforçando as desigualdades de renda, como mostram recentes relatórios divulgados pelo Ipea e por pesquisadores liderados por Thomas Piketty, e como fica explicitado no quadro urbano brasileiro.
Sérgio Magalhães é arquiteto.
Leia na íntegra o artigo publicado originalmente no O Globo, no dia 24 de fevereiro: https://goo.gl/YkcJBX