O fortalecimento da imagem de um segmento profissional passa pela possibilidade da prática continuada de ações que concorram tanto para o aprimoramento técnico quanto para sua adequação social. O investimento no campo da técnica é uma estratégia política que contribui para o processo de estruturação do universo da cultura profissional. Falar da técnica é reportar-se ao pensamento que a produziu, ao processo criativo que a gerou em toda a sua diversidade cultural. Um segmento profissional qualificado tem amplas possibilidades de educação permanente do pensamento e da técnica, levando em conta a postura ética para a condução plena de uma atividade.
A implantação dos editais de patrocínio cultural do Conselho de Arquitetura e Urbanismo (CAU) no ano de 2013, em suas diversas unidades da Federação, deu início a uma política de comunicação institucional que permite a divulgação e o desenvolvimento de uma marca especializada na área da arquitetura e do urbanismo brasileiros. Os editais de cultura constituem instrumentos de capitalização de comunicação de conteúdos relativos ao aprimoramento do exercício profissional da arquitetura e do urbanismo em seus aspectos técnicos, históricos, econômicos, estéticos, sociais e éticos. Conteúdos esses imprescindíveis no atual momento de reconfiguração da função do arquiteto, a qual deve ser marcada pelo diálogo entre a arte e a técnica em um processo contínuo de adequação social.
A marca da arquitetura e do urbanismo a ser desenhada significa a reafirmação do lugar do arquiteto e do urbanista em um momento histórico, caracterizado por um processo intenso de globalização em contraponto à necessidade de reconhecimento de um projeto de nação próprio. A atitude da marca de uma instituição com característica de projeto criativo é a de poder alimentar uma nova mentalidade sociocultural, valendo-se de afirmações estruturantes no âmbito dos direitos humanos, da sustentabilidade, da técnica, da diversidade, do empreendedorismo e da participação social. Faz-se necessária a formulação de políticas que reforcem o diálogo entre a arte e a técnica com a explicitação de uma ética, como comentam Josep Maria Montaner e Zaida Muxí: “Trata-se de construir um novo pensamento que interprete que, por trás do mundo das formas, existem implicações sociais e éticas; cada posição formal remete a uma concepção do mundo, tempo e sujeito” (1). A promoção de uma conduta ética deverá se dar a partir de ações integradas das diversas instituições responsáveis pela formação e pelo exercício profissionais, em uma perspectiva social na esfera da sustentabilidade. Ações marcadas pelo compromisso técnico e por um processo crítico continuado em relação à cultura profissional.
O edital traz outra forma de gestão do exercício e da formação do profissional de arquitetura e urbanismo: uma política de investimento em uma nova linha de educação, cultura e comunicação profissionais. Esse instrumento se distingue no universo da cultura da organização pública brasileira no tocante à implementação de ações, conceitos e técnicas voltados para uma inovação integrada. Inovação que, diante de novas reconfigurações institucionais, é mais que esperada e irá atender às demandas culturais e simbólicas emergentes.
O trajeto institucional do edital percorre as fases de definição, formulação, inscrição, seleção e realização dos projetos contemplados. Todo esse caminho é subsidiado por meio de recursos não só aos projetos patrocinados (investimento direto), mas também a todo o processo de gestão, comunicação e avaliação permanente do edital. O aprimoramento do corpo técnico e o intercâmbio com outros parceiros de programas de patrocínio cultural são elementos que podem favorecer a otimização do processo de gestão do edital com uma marcante presença social. A implantação de um banco de dados (a memória do acervo técnico) de uso institucional bem como de consulta pública permitirá a estruturação, a divulgação e o acesso a todas as etapas percorridas, visando ao contínuo aperfeiçoamento da gestão dos projetos. Uma política, enfim, de compartilhamento entre a instituição e a sociedade na busca de transparência, de reavaliação constante e de divulgação de resultados relevantes para o fortalecimento da marca profissional.
No ano de 2015, segundo dados apresentados nos portais dos conselhos, aparecem junto com o CAU/BR, detentor de uma cota de R$ 250.000,00 de patrocínio, mais oito unidades da Federação com edital já implantado. São elas: Paraíba (R$ 12.500,00), Distrito Federal (R$ 22.460,97), Goiás (R$ 50.000,00), Paraná (R$ 60.000,00), Santa Catarina (R$ 90.000,00), Rio de Janeiro (R$ 250.000,00), Rio Grande do Sul (R$ 300.000,00) e São Paulo (R$ 1.569.358,48). Conta-se então, em nível nacional, com um montante de R$ 2.604.319,45 para investimento em projetos sobre arquitetura e urbanismo que possam trazer impacto social através de uma renovação de conteúdos que aperfeiçoem a formação e o exercício profissionais. Um montante ainda insuficiente, diante dos desafios sociais que enfrentam o arquiteto e o urbanista na construção de uma sociedade mais sustentável e plural.
Tem-se, assim, um investimento público especializado em arquitetura e urbanismo com possibilidade de ampliação devido ao retorno que o patrocínio cultural pode oferecer enquanto instrumento de afirmação de identidade profissional e alcance social. Uma ferramenta democrática e transparente que permite criar um portfolio (uma carteira de projetos) agregador à marca do patrocinador, dos proponentes e dos profissionais em seus diversos campos de atuação.
Segundo Lárcio Benedetti (2), a natureza da política de patrocínio pode ser da ordem filantrópica ou de doação – concessão de recursos a determinado projeto sob uma decisão estritamente pessoal; tática e operacional – recebimento de propostas que apresentem benefícios afins à marca institucional; e estratégica – integração do patrocínio à macropolítica de comunicação da instituição. A meta seria, então, atingir o estágio do patrocínio estratégico, que se dá quando os projetos selecionados aparecem dentro de uma perspectiva de retorno à marca institucional do patrocinador, e quando esse patrocínio se configura como um instrumento de comunicação ampliado da instituição.
A questão do foco do edital necessita ser especificada, com a apresentação das áreas, dos temas de interesse e das prioridades que os proponentes tratarão em seus projetos. É preciso identificar a posição clara do patrocinador diante de suas necessidades e expectativas em relação ao mercado especializado, numa perspectiva de conquista de relevância técnica e social e de abertura de mercado. Só assim se conseguirá um leque representativo de ofertas pertinentes aos objetivos do edital, evitando que as partes envolvidas façam investimentos desnecessários. O vínculo entre o proponente e o patrocinador deve ser delineado dentro de expectativas profissionais concernentes à gestão de projetos culturais e de promoção de conteúdos da carreira de arquitetura e urbanismo.
O edital precisa ser elaborado de forma a evitar problemas de avaliação e controle dos projetos por parte dos gestores institucionais. O rigor e a clareza de cada quesito e etapa devem contribuir para a agilidade do andamento processual sob a gestão do patrocinador. Em contrapartida, o que se espera é um padrão de excelência em termos de visibilidade da marca institucional, bem como uma comunicação direta e impactante dos conteúdos estratégicos relativos à valorização da atividade profissional do arquiteto e do urbanista.
O êxito dos editais de patrocínio cultural engloba a consolidação da marca do patrocinador e a realização de projetos que atinjam níveis de qualidade e repercussão esperados, dentro de um contexto técnico e social em constante processo de mudanças sociopolíticas e sempre em busca de conteúdos nacionais, como comenta Artigas: “Que se possa fazer uma arte arquitetônica, que não estejamos eternamente a copiar desse ou daquele ângulo, daqui e de lá, mas procuremos na essência da nacionalidade a natureza de nossa forma de pensar” (3). Uma arquitetura e um urbanismo nacionais como meta, mas em diálogo permanente, conforme a necessidade de intercâmbios culturais que possam renovar o lugar no mundo de nossa própria produção arquitetônica e urbanística.
Jorge Ricardo Santos de Lima Costa é arquiteto e urbanista, doutor em Psicologia Social, e integra o quadro técnico da área de arquitetura e urbanismo do Governo do Estado do Rio de Janeiro. É conselheiro do Conselho de Arquitetura e Urbanismo (CAU/RJ) e coordenador da Comissão Especial e Temporária de Patrocínio Cultural nos anos de 2015 e 2016.
Notas
1
MONTANER, Josep Maria; MUXÍ, Zaida. Arquitetura e política – ensaios para mundos alternativos. São Paulo: Gustavo Gilli, 2014, p. 243.
2
BENEDETTI, Lárcio. Editais de patrocínio empresarial – como planejar seleções públicas de projetos. São Paulo: Sesi Editora, 2014.
3
ARTIGAS, Rosa; LIRA, José Tavares Correia de (Org.). Vilanova Artigas – caminhos da arquitetura. São Paulo: Cosac Naify, 2004, p. 201.