Um mês após tragédia no Museu Nacional, seminário discutiu soluções e apontou riscos ao patrimônio cultural
4 de outubro de 2018 |
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Dentre os maiores riscos para o patrimônio cultural, está o esquecimento. No que depender de mobilizações, debates e do trabalho de profissionais responsáveis pela proteção desses patrimônios esta não será uma ameaça real. A um mês do incêndio no Museu Nacional, na Quinta da Boa Vista, arquitetos e urbanistas e profissionais da área de preservação de edificações, coleções e acervos, se reuniram para um debate mais amplo e interdisciplinar sobre a preservação do patrimônio cultural, no seminário “Arquitetura: Preservação e Riscos” do CAU/RJ.
A tragédia no Museu Nacional ilustrou todas as mesas de debate, e sugestões de ações coletivas em prol da reconstrução da instituição foram levantadas. Entre elas, está a criação de workshops ou oficinas de projetos para o patrimônio, destinados também a estudantes. Museólogos e representantes de instituições que trabalham com gerenciamento de riscos para a proteção de acervos, como o Arquivo Nacional, a Fundação Oswaldo Cruz (Fiocruz) e o próprio Instituto Brasileiro de Museus (Ibram), estiveram presentes. O diretor do Museu Nacional, Alexander Kellner, e a pesquisadora do Museu, Cláudia Carvalho, fecharam a programação com um relato emocionado.
“O Conselho tem grande interesse de discutir este tema com a sociedade”, afirmou o conselheiro do CAU/RJ, Artur José de Oliveira, representando o presidente do Conselho, Jeferson Salazar. Na mesa de abertura, o presidente do IAB-RJ, Pedro da Luz, defendeu a realização de um concurso para a reconstrução do Museu Nacional. Já o presidente do Sindicato dos Arquitetos e Urbanistas do Rio de Janeiro (Sarj), Rodrigo Bertamé, também conselheiro do CAU/RJ, se comprometeu a dar continuidade aos debates do seminário. “O incêndio é uma derrota que temos que transformar em vitória. Há lugares esquecidos na cidade que precisam ser trabalhados. Precisamos dar visibilidade ao patrimônio. Este seminário não pode acabar aqui”, afirmou.
“O patrimônio sempre ficou de lado dentro das políticas públicas”, avaliou a conselheira integrante da Comissão de Patrimônio do CAU/SP, Vanessa Bello. Ela relatou que, em seminário realizado em São Paulo, em setembro, foi concebida a Rede Brasil Patrimônio, nos moldes da inglesa Heritage Alliance. “Esta rede foi pensada para reunir as entidades em prol de uma pauta única e pleitear recursos, com a participação de associações de moradores”.
Na palestra de abertura, o Conselheiro do CAU/BR pelo Rio de Janeiro, Carlos Fernando Andrade lembrou que o patrimônio é algo vivo e ressaltou a importância de dar usos ao patrimônio. “Se o patrimônio não está sendo usado, ele é esquecido”, constatou.
Na parte da tarde, as mesas foram interdisciplinares. A primeira delas abordou projetos de planejamento de gestão de riscos de diferentes instituições, com relatos da experiência de funcionários responsáveis pelo departamento de preservação de acervos ou patrimônio cultural construído. Diante da preocupação em proteger o que restou do Museu Nacional, os participantes de outras áreas compartilharam suas perspectivas e ressaltaram que é preciso ter muita sensibilidade para entender como esse processo de reconstrução – que será longo – pode se dar.
A primeira etapa, com duração de 180 dias, inclui a colocação de uma cobertura de emergência no museu. O diretor do Museu Nacional, Alexander Kellner frisou que existe uma certa pressa para não perder esse momento e aproveitar a mobilização. Ele informou que os esforços têm sido voltados para dar segurança ao prédio, com a união de outros atores, mas, que o melhor a fazer é participar das ações oficiais de apoio. Outras formas de contribuição, por instituições como o CAU/RJ, podem ser estudadas.
Kellner contou um pouco da história guardada entre as paredes do palácio do Museu e comparou o orçamento da instituição ao de outras internacionais. “Não perdemos a capacidade de gerar conhecimento e pesquisa”, destacou. Também foi apresentada a campanha oficial para arrecadar verbas para retomar atividades com a comunidade escolar, com roteiros voltados principalmente para botânica e ecologia, bem como projeto de ocupar outra área no horto botânico da Quinta e outras formas de contribuir para a Associação de Amigos do Museu. “O Brasil precisa merecer um acervo, antes de tudo. Um museu que não dialoga com a sociedade é extinto, e uma sociedade que não têm valores é culturalmente extinta”, pontuou.
As muitas manifestações de solidariedade desde o incidente foram lembradas pela pesquisadora Claudia Carvalho. “O Museu vive por duas razões: pelo público que o ama e pela equipe que continua tentando se levantar e seguir em frente. É a gente que pode reconstruir um novo museu para as próximas gerações”, disse. “Ninguém acreditava que o museu corria tanto perigo. Não era apenas de uma reforma que precisava, mas de mudança de funcionamento”, acrescentou, fazendo um alerta: “Há mais instituições de pesquisa e museus morrendo no país e precisamos saber como fazemos para parar isso. Fortalecer redes de cooperação entre instituições é muito importante”.
Referência nos estudos sobre azulejaria, a arquiteta e urbanista Dora Alcântara ressaltou a importância de valorizar o patrimônio e disseminar o amor por ele. “Essa consciência se dá somente por obra da educação. O nosso patrimônio é ainda mais valioso por ser nosso”, disse, frisando que, ao longo de sua experiência, sempre foi enriquecedor entender a história por trás de cada elemento. “O melhor tempo não é o futuro, é o que o passado guardou de vivo”, pontuou, lembrando que a política de patrimônio no Brasil nasceu com a visão modernista.
A conselheira Maria Lúcia Borges de Faria, que mediou o debate de encerramento, concluiu: “A construção social é sempre o caminho para buscarmos soluções. Vamos estudar como instituições da arquitetura podem se unir também para isso”, disse.