Sábado passado fui ao Centro da cidade para ver a reforma do conjunto de salas que abrigou meu escritório de arquitetura durante muitos anos. Rever o lugar onde realizei grande parte da minha atividade profissional gerou uma expectativa surpreendente. Na verdade, a ansiedade que tomou conta de mim começou, de fato, durante o trajeto.
Assim que deixei a estação do metrô, em meio a um grupo alegre de jovens fantasiados, escutei o som da marchinha “Máscara negra” reverberando ao longe. “Tanto riso/ Oh, quanta alegria/ Mais de mil palhaços no salão/ Arlequim está chorando pelo amor da colombina/ No meio da multidão.” A partir daquele momento, me deixei dominar pela lembrança de carnavais passados, especialmente os da minha juventude.
Sorrindo, me lembrei do adolescente que fui, alucinado pela folia e afoito nas primeiras aventuras amorosas. Nos bailes vespertinos dos clubes — quando a paquera ostensiva ainda não era considerada uma atitude condenável — havia uma cumplicidade disfarçada entre moças e rapazes, apesar do jogo duro no momento da abordagem. Na verdade, as desculpas esfarrapadas só serviam quando não havia interesse de uma das partes. De resto, era se esbaldar pra valer enquanto houvesse fôlego e disposição.
Com o passar do tempo, essas atitudes foram sendo deixadas de lado, e a moçada seguiu em frente, festejando o carnaval pelas ruas com outro tipo de comportamento. Alegra-me observar que, hoje, a maioria dos jovens está livre da hipocrisia moralista e castradora que os impedia de externar seus sentimentos afetivos. Sem a preocupação com o que os outros poderão pensar, fizeram da liberdade e da criatividade valores a serem respeitados e preservados. E assim vão curtindo os momentos felizes dos carnavais de agora.
Mas, como todo começo pressupõe um fim, após o carnaval a população inevitavelmente retomará a sua vida cotidiana. Será preciso muito alento nessa hora para superar as decepções recentes e a falta de perspectiva no curto prazo. Independentemente de tais circunstâncias, não podemos perder de vista a esperança de que dias melhores virão. Encontrei, como exemplo de otimismo, uma antiga canção de Carlos Lyra e Vinicius de Moraes — “Marcha da Quarta Feira de Cinzas” — que traduz, com clareza e beleza, o momento de passagem da tristeza para a alegria compartilhada por todos.
“Acabou nosso carnaval/ Ninguém ouve cantar canções/ Ninguém passa mais brincando feliz/ E nos corações, saudades e cinzas foi o que restou/ Pelas ruas o que se vê/ É uma gente que nem se vê/ Que nem se sorri, se beija e se abraça/ E sai caminhando, dançando e cantando cantigas de amor/ E, no entanto, é preciso cantar/ Mais que nunca, é preciso cantar/ É preciso cantar e alegrar a cidade/ A tristeza que a gente tem/ Qualquer dia vai acabar/ Todos vão sorrir/ Voltou a esperança, é o povo que dança/ Contente da vida/ Feliz a cantar/ Porque são tantas coisas azuis/ E há tão grandes promessas de luz/ Tanto amor para amar de que a gente nem sabe/ Quem me dera viver pra ver/ E brincar outros carnavais/ Com a beleza dos velhos carnavais/ E o povo cantando o seu canto de paz.”.
Luiz Fernando Janot é arquiteto e urbanista
Leia na íntegra o artigo publicado originalmente no O Globo, no dia 10/02: https://goo.gl/zkWswp