“Não vejo esta crise como a grande devastação. Na verdade, vende-se essa imagem com o objetivo de aterrorizar e paralisar a classe trabalhadora. É a política do terror”, afirmou o sociólogo e professor da UFRJ Marco Aurélio Santana, que discutiu as dimensões da crise no mundo do trabalho na abertura da III Conferência Estadual de Arquitetos e Urbanistas do Rio de Janeiro terça-feira, 29 de outubro. Promovido pelo CAU/RJ, o evento teve como tema “Arquitetura, Crise e Profissão: o mundo do trabalho”.
De acordo com o sociólogo, o país vive um momento de políticas agressivas, que têm impactos na vida dos trabalhadores. Ele citou como exemplos as alterações na legislação trabalhista, com o destaque para a lei da terceirização, e mais recentemente a reforma na previdência. “O que se promoveu efetivamente foi uma flexibilização sem limites. Contratos regulares foram trocados por uma variedade enorme de tipos de contrato”, disse. Para Marco Aurélio, as mudanças ocorreram associadas a um conjunto de novas nomenclaturas e práticas que foram impostas aos trabalhadores: PJ (Pessoa Jurídica), MEI (Microempreendedor Individual), entre outras. “A entrada do trabalho digital, a chamada uberização do trabalho, contribuiu para uma piora do mundo do trabalho. Os trabalhadores terceirizados trabalham mais horas, têm maior rotatividade, são os que têm o maior índice de acidente, maior dificuldade de se mobilizar, remuneração mais baixa e pouca proteção social”, avaliou.
Ao falar da precarização do trabalho e qualidade de vida, Marco Aurélio citou índice da Organização Internacional do Trabalho (OIT) sobre pessoas do mundo inteiro que estão empregadas, mas que vivem na pobreza moderada ou extrema. “Atualmente, emprego não garante mais vida digna, como no passado”, afirmou. O sociólogo apresentou ainda dados do Índice Global de Direitos, que colocaram o Brasil entre os dez piores países para trabalhar.
O mundo do trabalho do arquiteto e urbanista
O presidente do CAU/RJ, Jeferson Salazar, defendeu a III Conferência Estadual de Arquitetos e Urbanistas do Rio de Janeiro como espaço de reflexão para entender não só o mundo do trabalho do arquiteto e urbanista, mas também o atual momento da sociedade e as possibilidades que surgem aos profissionais no horizonte. “A lei que garante assistência técnica pública e gratuita para habitação de interesse social, que este ano completará 11 anos, é uma alternativa para geração de emprego e renda aos colegas arquitetos e urbanistas e, ao mesmo tempo, garantir o direito fundamental à moradia para todos. Infelizmente, enfrentamos ainda dificuldades na implementação da legislação.
Já a vice-presidente da Sociedade dos Engenheiros e Arquitetos do Estado do Rio de Janeiro (Seaerj), arquiteta e urbanista Marguerita Gomes, agradeceu o convite para participar da conferência e aproveitou seu tempo de fala para destacar a importante contribuição dos servidores e servidoras públicas. “A maioria das coisas que observamos na cidade é fruto do trabalho dos servidores públicos. Na segunda-feira, 28 de outubro, comemoramos o Dia do Servidor Público. Tenho muito orgulho de ser servidora, de nos doar para a sociedade e em prol do desenvolvimento”, falou Marguerita. Ela desejou ainda que os debates e discussões do evento consigam produzir algo em que a sociedade reconheça também o trabalho dos funcionários públicos. O presidente do Sindicato dos Arquitetos e Urbanistas do Estado do Rio de Janeiro (Sarj) e conselheiro do CAU/RJ, Rodrigo Bertamé, aproveitou a abertura da conferência para fazer algumas provocações. A primeira, no contexto da nova conjuntura mundial, Bertamé instigou o público a refletir sobre um sistema de segurança de trabalho, que garante autonomia, por um sistema mais vulnerável. O arquiteto também defendeu um debate maior sobre empregabilidade e autoconstrução. “Pesquisa CAU/BR e Data Folha mostrou que 85% das pessoas que já construíram ou reformaram não contaram com a assessoria técnica habilitada. Precisamos aprofundar essa análise. Quando colocamos a questão nos espaços de discussão, dizem que é política, e o tema aparece como fator negativo. A autoconstrução é alternativa de uma população que sofre com o sistema como está”, defendeu. Ainda segundo o presidente do Sarj, há dois campos de atuação interessantes para o arquiteto e urbanista. Um deles é o universo da profissão que caminha para formas industriais, arquitetura de grife, cenário dos mega escritórios, com seus softwares mais sofisticados. Outro é o pequeno ofício, onde o arquiteto e urbanista procura seu ganha pão e não encontra, ao mesmo tempo, há muita gente construindo. “Existe um campo de sombra onde podemos existir”, afirmou.
Lançamento de livros
Na abertura da III Conferência Estadual de Arquitetos e Urbanistas do Rio de Janeiro ocorreu também o lançamento de três livros: 8 Reações para o depois, do coletivo Entre Colaterais; Cadernos de projetos, reflexões e realizações do arquiteto Marcos Konder Netto, de Igor Vetyemy; e a 4ª edição da obra Perícias de Engenharia – A apuração dos fatos, da arquiteta e urbanista e conselheira do CAU/RJ Simone Feigelson. As duas primeiras obras foram contempladas pelo Programa de Patrocínio Cultural do CAU/RJ.
Konder, que completará 92 anos no dia 11 de novembro, acompanhou o evento e, ao final, bateu um papo com o público e assistiu ao trailer do filme “Marcos Konder Netto – o protagonismo da simplicidade”, de Igor e Gabriel Mellim, sócio fundador da Produtora Rio Cinema Digital. “Quero agradecer ao Igor pelo esforço para produzir o livro. É uma obra importante para divulgar o um trabalho de 60 anos de vida profissional”, disse Konder. Ao final, o arquiteto arrancou gargalhadas ao brincar: “espero que não fiquem muito decepcionados com meu trabalho”.
