Retratos da Arquitetura
Conteúdo Um novo futuro para a região metropolitana do Rio de Janeiro
13 de novembro de 2013 |
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A acelerada urbanização a partir do século XX e a consequente conurbação – sobretudo nos países em desenvolvimento, cujas populações cresciam vertiginosamente – alertou os responsáveis pelas cidades quanto a melhor forma de administrar os fenômenos. Uma apreciável quantidade de obras trata dos problemas a partir das metrópoles, passíveis de se corromperem ou se transfigurarem em ingovernáveis megalópoles. Fracassadas as tentativas de conter aquele crescimento, buscaram-se recursos científicos do planejamento, procurando controlar sua marcha, conduzindo políticas disciplinadoras, reconhecendo o processo inerente à expansão do homem sobre seus territórios. Assim ocorreu em Londres, Paris, Nova York e grandes aglomerados que superaram as ameaças da ruína e da degradação urbana. A forma de administrá-los – ou, pelo menos, coordenar sua administração – tem sido a tônica das atuais políticas, quando o planejamento articulado antecede as intervenções, reconhecendo que padecem das limitações do Homem ao defrontar-se com seu maior algoz: o tempo. Na obra do professor Milton Santos, “Pensando o Espaço do Homem”, encontramos a frase:
“O passado… pode ser definido mais facilmente. Quanto ao presente, antes se especula sobre ele”
A filosófica advertência serve para governantes e planejadores, alertando-os para a constante reavaliação das propostas de intervenção no espaço humano, trabalhando sobre um tormentoso presente e projetando para um incerto e provável futuro, ousando projetos com horizontes superiores a 30 anos.
O crescimento das cidades, muitas vezes confundido com a urbanização, mereceu esta observação de Kingsley Davis:
“Historicamente, a urbanização e o crescimento as cidades ocorrem conjuntamente, o que ocasiona certa confusão… é necessário distinguir as duas tendências… na maioria dos países desenvolvidos as populações urbanas estão ainda aumentando, mas sua proporção de população total está tendendo a permanecer estável e mesmo a diminuir. Em outras palavras, o processo de urbanização – a passagem de uma forma diluída de população para uma concentração em centros urbanos – é uma mudança que tem um início e um término, mas o crescimento das cidades não tem limite. Tal crescimento poderia continuar mesmo depois que toda a população estivesse vivendo em cidades, simplesmente, por um aumento vegetativo.”
[CIDADES – A URBANIZAÇÃO DA HUMANIDADE (ZAHAR EDITORA – 1970) -Kingsley Davis (Prof Univ Berkley – Califórnia EEUU) Página 15 2º par.]
A identificação da polaridade exercida por determinado centro urbano – reconhecido como Metrópole – sobre suas regiões vizinhas, consagrou a imagem dos polos gravitacionais metropolitanos e seus satélites, intensamente habitados, sem vestígios da herança rural, caracterizando as REGIÕES METROPOLITANAS (ou Áreas Metropolitanas). Os mais recentes levantamentos indicam Tóquio como a maior destas regiões, concentrando mais de 32 milhões de habitantes em cerca de 8 mil km², o que resulta em uma densidade de 4 mil habitantes por km². Quanto às cidades brasileiras, São Paulo ocupa, no mundo, o 4º lugar com densidade de 2,2 mil habitantes por km². Em 20º, vem o Rio de Janeiro com a densidade de quase 2,1 mil habitantes por km². Para abordar esta área, passamos a comentar seu histórico e as projeções, atentos a citada observação do ilustre Milton Santos, sem permitir, contudo, a desesperança.
Em primeiro lugar, a história da região nos revela o Rio de Janeiro com sua forte presença, desde o século XVI até nossos dias. Consolidou seu território na luta contra invasores, na presença do poder central já no século XVIII, poder sacramentado com a vinda da Corte a partir de 1808 e, por fim, tornando-se a Capital do país, município neutro e, depois, Distrito Federal. A breve condição do seu território como Estado da Guanabara, entre 1960 e 1973, apenas referendou a centralidade regional, sem perdê-la, apesar da crise econômica posterior àquela condição política. Tais cenários foram abordados com precisão nos estudos da Evolução Urbana do professor Maurício Abreu, articulados com o trabalho da geógrafa Lysia Bernardes, abordando os aspectos físicos que definiram o crescimento da urbe e que ainda oferecem base para as estratégias de planejamento. Território físico e história urbana, enfim, destacam o protagonismo do Rio de Janeiro em relação aos municípios vizinhos.
A Região Metropolitana do Rio de Janeiro foi instituída pela Lei complementar nº 20, de 1/07/1974, após a fusão dos antigos Estado da Guanabara e Estado do Rio de Janeiro, e é hoje composta por 19 municípios, abriga quase 12 milhões de habitantes dos quais cerca de seis milhões habitam o município sede. A questão da articulação de tantos territórios e suas peculiaridades e domínios político-administrativos exigiu a criação de um órgão supra municipal que coordenasse e orientasse suas políticas de crescimento.
Definida a Região Metropolitana do Rio de Janeiro, no ano seguinte foi criada a FUNDREM, com o propósito de articular os diferentes níveis de crescimento dos municípios integrantes, trabalhando sobre a polaridade exercida pelo Rio de Janeiro. A Fundação, com personalidade jurídica de direito privado, criada em 15/03/1975 através do Decreto Lei Estadual nº 14 e então subordinada à Secretaria de Planejamento e Coordenação Geral do Estado, daria apoio técnico e administrativo aos Conselhos Deliberativo e Consultivo da Região Metropolitana. Cabe lembrar que naquele momento o país vivia um momento de exceção política e os conflitos entre a Fundação e os poderes municipais impediram uma política de articulação satisfatória. As questões de uso e ocupação do solo, sobretudo, levaram ao desgaste a atuação coordenadora da Fundação e, em consequência, sua atuação política, sendo extinta em 1990, pelo poder estadual. Há que reconhecer a oportunidade técnica na criação do organismo que teria lidado – segundo seus ex-dirigentes – com a eventual escassez de recursos. Uma das dificuldades mencionadas, talvez exemplar, e de vital importância para as áreas habitacionais, era a questão dos aterros sanitários, a decisão de onde e como assentá-los sem que o poder municipal se sentisse prejudicado diante dos seus munícipes.
Tais percalços, seguidos da extinção do órgão, trouxeram um hiato nos processos de planejamento da região. Não se tornou, contudo, uma página simplesmente virada nas ações do poder público, visto que grande parte da documentação (sobretudo levantamentos cartográficos) elaborada pelos técnicos da FUNDREM servirá de apoio para novas propostas.
A Constituição de 1988, fortemente municipalista – um viés político que tenta exorcizar o poder de cunho autoritário dos anos 1970 –, não contemplou em suas especificidades as Regiões Metropolitanas, deixando o encargo para os órgãos regionais, cujas ações ressentem-se de articulação. Torna-se evidente que os diferentes problemas que afetam uma região têm sua origem ao mesmo tempo comum (mananciais de abastecimento, por exemplo) e diversificada, como os assentamentos irregulares e os corredores de transporte. As devidas articulações e o aporte de recursos transcendem a ação municipal, cabendo ao Estado sua costura e integração. Ações técnicas e políticas não poderão frustrar as expectativas dos habitantes da região e, ao mesmo tempo, devem superar as diferenças dentro do processo democrático.
Sob esta ótica, mobilizam-se os órgãos de planejamento do governo estadual no sentido de recuperar o planejamento regional, valendo-se da experiência, ainda que efêmera, da citada FUNDREM e, ao mesmo tempo, procurando uma construção política ajustada com os novos tempos e caminhando para as ações estruturantes sobre o território regional. Este território apresentou um crescimento inicial no sentido da baixada fluminense e, a partir dos anos de 1960, sofreu reversão, irradiando-se nos sentidos de São Paulo, Minas, para noroeste, e, para leste, no sentido de Niterói, São Gonçalo e Itaguaí. Concorreu para esta expansão, o deslocamento do eixo político, quando o Rio deixou a condição de Capital, com a criação de Brasília e com a construção da Ponte Rio-Niterói. A expansão foi estimulada, sobretudo, pelo transporte rodoviário, modal dominante que suplantou os demais, fazendo minguar as ferrovias e atrofiando o já comedido modal hidroviário.
Valendo-se de experiências passadas, os órgãos estaduais de planejamento pretendem agendar uma ação articulada capaz de conduzir processos contínuos para o desenvolvimento da região com suporte financeiro significativo, uma agenda árdua tendo em vista obrigar-se a partir de diagnósticos seguros. Como foi dito acima, a postura constitucional de natureza descentralizadora, municipalista, encontrará, no processo, diferentes embaraços. Ainda presente a força gravitacional do Rio de Janeiro, não será tarefa fácil lidar com o empuxo de municípios do porte de Campos dos Goitacazes e Magé, dentre outros, e seus potenciais político, econômico e institucional. Uma simples listagem ao alcance dos cidadãos mostra que áreas de drenagem, mananciais, corredores de transporte, saneamento e a crônica deficiência de equipamentos urbanos básicos para saúde e educação exigirão uma difícil enumeração de prioridades.
O recente estudo elaborado pelo PDTU (Plano Diretor de Transportes Urbanos da Região Metropolitana do Rio de Janeiro) oferece um desenho para reconhecimento de alternativas às propostas de integração e desenvolvimento da área sob o ponto de vista da mobilidade. Considerando que a RMRJ acolhe em seu território um dos mais significativos conjuntos de modais do país (portos, aeroportos, ferrovias e rodovias), fica claro que a difícil articulação entre uso do solo e os grandes corredores de transporte revela a hesitação e a distorção na escolha de alternativas para a mobilidade regional em seus aspectos macro.
O Decreto 42.832 de 31 de janeiro de 2011 criou o Comitê Executivo de Estratégias Metropolitanas, com a participação de Secretarias de Estado, a Universidade Estadual e outras entidades representativas da sociedade. Deste Comitê espera-se um trabalho de avaliação em busca de diagnósticos seguros, abordando as matizes dos problemas metropolitanos cujo resultado servirá de base para a formulação de um Plano capaz de reorganizar seu território. As dificuldades no aporte de recursos, apontadas pelos que conduziram a extinta FUNDREM, deverão ser superadas com a participação de empreendedores do setor privado. Resumindo seus propósitos, o Plano que se destina a reordenar a Região Metropolitana prevê o acesso universal e equânime aos benefícios produzidos pela sociedade. Aspectos relevantes que, uma vez explicitados, colocarão as comunidades em alerta permanente para a cobrança de resultados, dizem respeito aos compromissos enunciados na proposta, que deverá abordar:
– lugares de referência (valorizando o patrimônio construído e natural);
– conectividade, que contempla o transporte, eficiente e de baixo custo;
– potencialização da economia e melhoria da infraestrutura urbana.
Entre os propósitos do Plano, vale mencionar a identificação de Eixos Estruturantes voltados para os equipamentos urbanos e para o saneamento. O corpo técnico-administrativo será constituído por um grande arco de profissionais de diferentes áreas na consecução do planejamento, sobretudo para a articulação com lideranças locais e regionais.
Outros organismos, como o Observatório das Metrópoles trazem uma importante contribuição às análises das áreas estudadas, mapeando e analisando as metrópoles brasileiras na primeira década do século XXI. Ao lado de outras entidades, como o IPPUR (Instituto de Pesquisa e Planejamento Urbano e Regional), produz um acervo de pesquisa que não pode ser ignorado.
Se de fato a sociedade brasileira parte para uma etapa de amadurecimento político, não poderá ignorar alternativas que capacitem os municípios integrantes da Região a disciplinar seu planejamento, seja através de Consórcios Intermunicipais ou articulada com organismos de outras instâncias do poder público, atentas às reivindicações da população.
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Há uma perspectiva positiva para a Região Metropolitana do Rio de Janeiro visando a melhoria da qualidade de vida da sua população. Revela-se então um promissor campo de trabalho para arquitetos, urbanistas e demais técnicos empenhados em enfrentar complexos problemas regionais.
O CAU/RJ será um importante protagonista no debate de propostas e no questionamento das políticas a serem desenvolvidas pelo Estado no sentido de resgatar o desenvolvimento integrado desta importante região brasileira.
Agradecemos as preciosas informações prestadas pelos colegas Vicente Loureiro e Waldir Garcia, que alimentaram este texto.