Retratos da Arquitetura
Região Metropolitana: Mobilidade, Transportes públicos e Planejamento Integrado
7 de agosto de 2013 |
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O Estado do Rio de Janeiro tem longa e conhecida história na qual se alternam apreciações positivas e negativas em seu desenvolvimento. Enquanto as primeiras são atribuídas aos privilégios do seu belo e variado território, as segundas prendem-se às heranças de sua presença política. Urbanistas, pelo multidisciplinar campo de atuação, não separaram os dois aspectos, reconhecendo-os como um continuum a enfrentar.
Certamente, o Rio de Janeiro, seu município-sede – com histórica trajetória concentradora de poder, de consumo e de oferta de oportunidades – provoca forte desequilíbrio regional, sofrendo em contrapartida os resultados daquela concentração, isto é, alta densidade habitacional. Alguns números contam esta história. Nos anos de 1990, a Região Metropolitana do Rio de Janeiro abrigava nove milhões de habitantes. O censo de 2010 acusou 12 milhões praticamente na mesma área (hoje,19 municípios incluindo a Capital), para uma população estadual de 15 milhões de habitantes. Ou seja, 80% da população do Estado concentram-se na Região Metropolitana. Destes, cerca de 6,3 milhões habitam a Capital.
Dentre os muitos problemas que afligem este contingente humano, sobressai o transporte, em suas diferentes modalidades. Um impedimento que sequer leva em conta a alta possibilidade turística de todo o território, bastando enumerar a Região do Lagos, a Região Serrana, o histórico Vale do Paraíba e a Costa Verde. Todos cenários propícios ao lazer e a eventos esportivos e culturais.
Sob o ponto de vista interestadual, grandes rodovias vêm sendo reaparelhadas e seus traçados corrigidos, porém os altos custos de conservação impõem valores elevados para os pedágios, emperrando a circulação intermunicipal. A rede ferroviária, que no passado desempenhou importante papel no desenvolvimento do país, sofreu o conhecido desmantelamento, justificado ou explicado por fatores técnicos e econômicos, tornando-se objeto de controvérsias. As possibilidades do transporte hidroviário jamais foram devidamente consideradas, o que surpreende, tendo em vista a natureza da hidrografia e das condições portuárias do Estado, limitando-se hoje ao secular transporte de passageiros entre as cidades do Rio de Janeiro e Niterói e as ilhas da Guanabara. Seria lícita a expectativa (e de longa data) que a Baixada e a Barra venham a ser ligadas ao Centro através do transporte hidroviário e que estações do mesmo sistema, em Magé e Caxias, sejam conectadas à baixada, através de trens e VLT. Embora estranhável a ausência destes sistemas, basta lembrar a conhecida batalha que antecedeu a construção da ponte Rio-Niterói, prevalecendo a controvertida política rodoviária nas grandes cidades do país.
O modal aeroviário remeteria a questões mais complexas, uma vez que no município do Rio de Janeiro encontram-se o Internacional Tom Jobim e o Santos Dumont, ambos ainda enfrentando os problemas de modernização e adequação ao trânsito aéreo internacional e nacional.
Assim, o desenvolvimento econômico do Estado, em conjunto, revela a ausência de uma política de transportes de ângulo mais aberto, coordenada, capaz de avaliar alternativas de maior alcance econômico e social. Que se registre a curta existência da FUNDREM – Fundação para o Desenvolvimento da Região Metropolitana do Rio de Janeiro criada em 1975 e extinta em 1989. A Fundação seria o órgão gestor do planejamento das Regiões Metropolitanas instituídas pela Lei nº 20 de 1/07/1974 e, entre outras ações, articularia os sistemas de transportes tendo em vista os custosos deslocamentos das populações periféricas entre moradia e trabalho. Seu desaparecimento ainda é lamentado pelos técnicos, não havendo um órgão que a substitua naquelas funções.
A Região Metropolitana torna-se, assim, eixo das preocupações do território estadual. A concentração habitacional, as condições de insalubridade e a precariedade dos equipamentos e serviços urbanos locais e regionais não abandonam a pauta política. A macromobilidade permeia os demais problemas e coloca-se como fator-chave para outras intervenções. Admitindo como periféricos à produção ou abastecedores os municípios que integram a Região, as linhas de transporte tornam-se pontos cruciais da questão. Sendo o município do Rio de Janeiro rótula da atividade econômica percebe-se o agravamento de seus problemas urbanos e o preço que paga por tal centralidade, o que justifica focarmos seus problemas de macromobilidade.
Os principais planos propostos para o Rio de Janeiro em diferentes categorias políticas: Distrito Federal, Estado ou município-polo de uma micro região, foram estudados e comparados no trabalho da Professora Vera Rezende, “Planejamento Urbano e Ideologia” (1). Entendidos pela autora como Planos Diretores, o Plano Agache (Plano de Remodelação e Embelezamento, do urbanista francês Alfred Agache) de 1926, e o chamado Plano Doxiadis (Constantino Doxiadis), aplicado ao então recente Estado da Guanabara, em 1965, abordavam de modo mais central a questão do transporte. Um terceiro plano, o Plano Integrado de Transportes (PIT-METRÔ) de 1977, tratava específica e setorialmente da rede metroviária. O Plano Urbanístico Básico para o Rio de Janeiro (PUB-Rio), também de 1977, não aborda o problema, acompanhando, segundo a obra citada, o PIT-Metrô.

PIT Metrô(1977), sua implantação parcial trouxe prejuízos à cidade
Imagem retirada do Estudo de Viabilidade Técnica e Econômica do Metropolitano do Rio de Janeiro

PUB Rio(1977), tentativa de orientar o desenvolvimento urbano
Imagem retirada do Plano Urbanístico Básico da Cidade do Rio de Janeiro
Sem prejuízo das explícitas intenções de embelezamento, o Plano Agache começa por analisar as funções urbanas do Rio de Janeiro e propõe uma “ossatura” viária e a reorganização dos transportes. É pioneiro em propor uma rede subterrânea nos moldes das já existentes nas capitais europeias: o Metrô e o transporte hidroviário na baía de Guanabara. Faz ainda abordagem dos problemas de abastecimento de água, esgoto e de águas pluviais em geral, como eco das anteriores políticas sanitaristas e aborda o problema das favelas de forma contundente. É prudente ao prever um órgão permanente de acompanhamento para a implementação do Plano.
Destacamos um trecho do relatório feito pelo eminente urbanista ao apresentar seu projeto:
“…as distâncias num aglomerado urbano não devem ser calculadas como distâncias geográficas, mas com distâncias práticas, que não exprimem os quilômetros mas a duração de deslocamento … (que) dependem…antes de tudo, da organização e da velocidade dos meios de transporte” (Ossatura do Plano Diretor – O Metropolitano e sua extensão”).
O Plano de Doxiadis parte de um modelo matemático idealizado pelo seu autor, apoiado em estatísticas, elevada quantidade de dados e busca colocar sobre o território da então Guanabara “um modelo reticular determinado” (2). Assume o deslocamento através de pistas rodoviárias. As favelas e áreas degradadas são objeto de sua crítica:
“ …A maioria (dos problemas existentes) se deve á ausência de um Plano Diretor e um Programa que regule e coordene o crescimento urbano, o que é pré-requisito necessário para a solução dos problemas existentes e a eliminação de problemas semelhantes no futuro” (Plano da Equística – recomendações).
Parte do Plano foi concretizado através das conhecidas autoestradas denominadas com as cores sugeridas no trabalho: linhas Vermelha, Amarela, Lilás, etc. e parcialmente implantadas.
O PUB-Rio e o PIT-METRO são realizados após o desaparecimento do Estado da Guanabara, já reconhecida a Região Metropolitana e o Rio de Janeiro como polo do aglomerado. Assim, são previstos instrumentos financeiros para a realização dos Planos, de natureza essencialmente física, não avançando na questão habitacional.
A rede do Metropolitano é concebida segundo um estudo aprofundado das chamadas “linhas de desejo” dos consagrados assentamentos humanos. Curioso registrar que, mesmo apresentando uma rede complexa, não propõe ligação explícita com a Barra da Tijuca, tendo em vista que, na época – e na visão de seus autores – a demanda populacional da área não justificaria sua extensão até lá.
A Constituição de 1988, criada após o período de exceção, abordou em seu texto a questão urbana, recomendando que fossem criados Planos Diretores para as cidades brasileiras, provocando o surgimento do Plano Diretor Decenal para o Rio de Janeiro, invertendo as políticas consagradas no período ditatorial para o crescimento das cidades. Decepcionando os planejadores, sua implementação foi postergada nas últimas gestões municipais.
Não seria por falta de Planos que estado e municípios sofreriam com políticas dispersivas ou efêmeras. Como se vê, nenhum dos Planos acima teve aplicação rigorosa. Deixaram vestígios e, não raro, ruínas.
De data recente, será implantado o Plano Diretor de Desenvolvimento Urbano Sustentável do Rio de Janeiro (Lei nº 11 de 2011), voltado em sua atualidade para a questão ambiental. As vias serão contempladas com dimensões compatíveis com as necessidades de Mobilidade Urbana visando o fluxo mais livre de veículos, a proteção do pedestre e o atendimento às normas que facilitam o deslocamento de deficientes nos espaços urbanos.
No presente, as esferas estadual e municipal tentam articular planos voltados para a macromobilidade urbana no Rio de Janeiro e em sua Região Metropolitana. As opções, objeto de controvérsias, envolvem polêmicas técnicas.
Questão candente, a ampliação da rede metroviária ocupa os principais debates recebendo críticas quanto à metodologia, ao alcance e a escolha de novos traçados. Um dos seus críticos mais contundentes, o engenheiro Fernando Macdowell, que já ocupou relevantes cargos no setor dos transportes, mostra preocupação com alguns aspectos da obra (3). Denominando de Linha 1A a superposição do trajeto das linhas 1 e 2, entre a estação Central e Botafogo, alerta para a condição crítica ao convergir a Linha 2 (Botafogo-Pavuna) com a Linha 1 (Saens Peña – General Osório). Coloca ainda a necessidade de uma integração da linha 2 com a Supervia em algumas das estações, de modo a reduzir o acúmulo de passageiros nas plataformas de suas estações e o intervalo entre os trens, ressaltando a necessidade técnica de “rabichos”, a exemplo do que acontece no atual terminal do Metrô na Tijuca, de modo a reduzir o tempo de espera dos passageiros.
Quanto ao terminal a ser criado no Jardim Oceânico, para a extensão do Metrô atendendo a Barra, lembra a já existência do Terminal de Integração Alvorada, admitindo seu aproveitamento como melhor alternativa. Macdowell comenta ainda o projeto original do Metro (PIT-METRO) e a parte executada (e em atividade) onde a Estação Carioca deveria desempenhar a função de rótula, pois dispõe de plataformas em níveis distintos (já executados) para o cruzamento das demais linhas,e lamenta o desperdício com o abandono do Plano. Além disso, ressalta que os cruzamentos em nível e as superposições adotadas no novo projeto, além de aumentarem os riscos das operações, retardam o fluxo dos trens e ampliam os intervalos de espera.
Não bastassem tais restrições, o especialista critica a pretensa meta de transportar um grande número de passageiros ao se estabelecer índices inaceitáveis de ocupação, chegando à elevada taxa de sete pessoas por metro quadrado nas composições das ferrovias. A extensão dos trajetos e a velocidade nem sempre eficaz mostram o absurdo daquele índice, obrigando os passageiros a prolongado desconforto.
Estas e outras críticas ao Plano de expansão do Metro merecem, pelo menos, uma reflexão maior por parte de autoridades encarregadas da implementação e ampliação deste meio de transporte, urgindo que sejam ouvidos outros setores da sociedade direta ou indiretamente dependentes do sistema. Tanto mais que a política de transporte sobre trilhos, buscando articulação entre a rede existente (Supervia) e o Metropolitano, ainda revela hesitação e fraqueza. Cabe lembrar que, no Brasil, a rede ferroviária implantada ainda no século XIX foi fator importante de integração regional, lembrando os caminhos da EFCB – Estrada de Ferro Central do Brasil, da Leopoldina Railway e da Linha Auxiliar ligando o Estado do Rio de Janeiro aos Estados vizinhos e interligando seus municípios (quase um saudosismo, reconstrói-se a linha férrea que ligava a sede a Petrópolis, a cidade Imperial). Ainda no limite municipal, a via férrea gerou bairros de expressiva importância urbana, para citar: o Meier e, mais distante, Marechal Hermes.
A requalificação da malha ferroviária existente, na visão do arquiteto Sérgio Magalhães, Presidente do Instituto de Arquitetos do Brasil (IAB), integrando-a à rede de Metrô existente, ampliaria de forma significativa a mobilidade, alcançando a Zona Norte, a quase esquecida Zona Oeste carioca e complementaria, de forma eficaz, a ligação com a populosa Baixada.
Sabemos que a expansão industrial dos anos de 1960, com a presença da indústria automobilística no Brasil, forçou o abandono e a atrofia das demais modalidades de transporte. Uma razoável rede sobre trilhos, representada pelos bondes e que fora de importância capital para a expansão urbana, não resistiu à explosão habitacional, à invasão dos automóveis e pereceu quase sem deixar vestígios, fracassando o legado do transporte elétrico nos efêmeros ônibus criados pelo governo da Guanabara.
Com o inchaço das cidades a partir dos anos 1950, o domínio do automóvel sugeriu um triunfo que a euforia da ascendente classe média ajudou a proclamar. Em pouco tempo, os maiores centros urbanos brasileiros revelaram as embolias em suas vias urbanas. Nos grandes centros, como Rio de Janeiro e São Paulo, os estudos mostravam inversão paradoxal: enquanto apenas 10% da população em atividade ocupavam, em seus carros, 90% das pistas, restavam 10% destas pistas congestionados por ônibus, lotações e outros improvisos, para o deslocamento dos demais. Para o Rio de Janeiro, a construção da rede do metropolitano corresponderia à tardia realização de um sonho datado do século XIX e, como se viu acima, proposto por Agache no primeiro quartel do século XX.
Ainda assim, as melhores cabeças pensantes viam no automóvel a melhor, senão a única, solução de transporte para a população. Em sua proposta para o Plano Piloto de Brasília, Lúcio Costa afirma ser o carro quase um “animal doméstico”. O mesmo urbanista ao propor o Plano da Barra, no Rio de Janeiro, não menciona ou indica alternativas para o transporte de massa, feito através de ônibus, mostrando que os mais talentosos técnicos prendem-se a idiossincrasias. Os resultados de tais decisões são testemunhados pelos engarrafamentos de amplas e custosas pistas pavimentadas, onde reina um sistema de transporte por ônibus lentos e desconfortáveis. Sequer a valorização deste modal provocou a construção de terminais compatíveis com o sistema. Em escala estadual, a Rodoviária Novo Rio deixa bastante a desejar quanto as instalações e a implantação. As demais, estabelecendo as conexões das linhas de ônibus, apresentam-se sem qualquer conforto para a população, submetida à espera por longas horas. Os intervalos desejáveis entre as linhas não são cumpridos, o estado de conservação dos veículos, o tratamento dado aos passageiros e os custos das tarifas, mostram um quadro absurdamente desastroso.
Preconizados em parte no Plano Doxiadis, os elevados e os túneis interligando áreas antes bloqueadas pelos maciços, trouxeram, de fato, algum alívio na macromobilidade, causando por outro lado muitos prejuízos na paisagem urbana e mesmo arruinando bairros. E o descaso com o transporte de massa ficou patente quando, na posterior continuação de tais obras (a Linha Vermelha, por exemplo) a Cidade Universitária e o Aeroporto internacional Tom Jobim foram ignorados, permanecendo quase à margem do transporte de massa.
Tardiamente, o Rio de Janeiro tenta superar estes conflitos através de rede de superfície como os BRTs (Bus Rapid Transit) e os VLTs (Veículo Leve sobre Trilhos). Os técnicos discordam quanto à eficiência absoluta dos sistemas, tendo em vista as grandes distâncias entre os pontos comprometendo o conforto dos usuários. A alta velocidade que desenvolvem não se coaduna com distâncias curtas, que os tornaria menos eficazes. A linha do VLT cruzando o Centro Histórico é objeto de discussões diante dos riscos que pode trazer aos valiosos monumentos existentes na área.
Cabe também reconhecer as dificuldades do próprio território exigindo soluções que, mesmo entre os técnicos, não alcança consenso. Em áreas íngremes ocupadas por populações de baixa renda, por exemplo, os acessos e deslocamentos passaram a ser feitos por teleféricos e planos inclinados, ligados, de certa forma, à tradição (as linhas de bondes de Santa Teresa – em suspenso, no momento –, os acessos por trem ao Corcovado e, em funicular, ao Pão de Açúcar, estes com funções turísticas).
O difícil quadro aqui esboçado exigirá soluções maduramente pensadas. Caberá às autoridades realizar melhor interação com os planejadores de modo a equacionar a questão da Macromobilidade em nosso território. A articulação entre Estado, Municípios e as Micro Regiões deverá buscar soluções de mobilidade avaliando o território em suas potencialidades e ampliando a ação sobre o problema urbano.
Conforme mencionado no início destes comentários, as alternativas de mobilidade no Estado do Rio de Janeiro – tendo em vista seu relevo, seu extenso litoral, sua economia, onde o turismo tem papel destacado –, articulando fisicamente a Região Metropolitana e sua Sede, poderão melhorar o assentamento de seus habitantes, criando eficazes corredores de transporte.
O tempo dos homens é curto. Os mandatos de Governadores e Prefeitos, mesmo prolongados pela reeleição ou continuados pelos acordos políticos são pouco extensos para a implantação e revisão de Planos. Além disto, circunstâncias inesperadas alteram quadros físicos, econômicos e sociais, exigindo mudanças de rumo. Que sejam feitas, se necessário, mas adotando uma diretriz-mestra de planejamento jamais abandonada ou, pior, desperdiçada. O prejuízo social não é mensurável.
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1) Rezende, Vera – “Planejamento Urbano e Ideologia” – civilização Brasileira – 1982;
2) Mello Júnior, Donato – “Rio de Janeiro – Planos, Plantas e Aparências” – Edição da Galeria de Arte do Centro Empresarial Rio – 1988;
3) Há diversos vídeos com entrevistas e exposições de Fernando MacDowell no YouTube, de onde foram retiradas as informações acima.