PLC N° 42/2021 coloca em risco o patrimônio e o desenvolvimento da cidade do Rio de Janeiro
14 de março de 2022 |
|
O Projeto de Lei Complementar n° 42/2021, de autoria dos vereadores Pedro Duarte, Carlo Caiado e Felipe Michel, além de evidente desrespeito ao Direito Urbanístico, coloca em risco o patrimônio imobiliário e cultural da cidade do Rio de Janeiro e de seus cidadãos. O PLC, que versa sobre a gestão e alienação dos imóveis municipais, em pauta na Câmara de Vereadores do Rio de Janeiro, traz à tona um debate que ficou em evidência no final de 2021, quando o Governo Federal anunciou a venda de centenas edifícios públicos, entre eles o Palácio Gustavo Capanema. Fato que, por hora, foi revertido devido as intensas manifestações da sociedade.
Assim como o leilão do Ministério da Economia, a proposta legislativa dos vereadores tem como base a lei federal 14.011/2020, que estimula a venda de propriedades públicas com descontos, usando como argumento a ineficiência da gestão pública e o potencial aumento de arrecadação. O interesse público é preterido no PLC 42/2021. Os autores da iniciativa são claros ao justificar do projeto de lei: “Com este Projeto de Lei será possível dar maior dinamismo à alienação de imóveis da Prefeitura do Rio de Janeiro, garantindo que os imóveis públicos sejam alienados com maior facilidade e por valores compatíveis e/ou superiores com os praticados pelo mercado, enquanto dá incentivo ao setor privado para adquiri-los”.
O tema requer muita cautela porque pode ser um caminho sem volta. A gestão, ou mesmo a alienação, dos imóveis públicos deve ser refletida coletivamente para que exerçam sua função social. O texto do PLC 42/2021 extingue a obrigatoriedade de autorização legislativa para a alienação de imóveis da prefeitura, previsto no art. 232 da Lei Orgânica do Município do Rio (LO). A iniciativa é inconstitucional, pois só Emenda à Lei Orgânica é capaz de promover tal intento. Apesar de a LO vedar a alienação de áreas verdes, praças, parques, jardins e unidades de conservação, assim como imóveis públicos destinados ao uso comum do povo, como escolas, postos de saúde, hospitais, entre outros, o PLC coloca todo o patrimônio imobiliário municipal à disposição do mercado, indistintamente. Bens que não são exclusivos da Prefeitura do Rio de Janeiro, mas de uma população de cerca de sete milhões de pessoas e das futuras gerações.
Embora o discurso para a liquidação dos imóveis alegue potencial fonte de receita, a decisão não deve mirar o curto prazo, assim como não pode estar dissociada de uma política de planejamento urbano. Por exemplo, a própria prefeitura está elaborando Plano Habitacional para o Programa do “Reviver Centro”, que conta com a incorporação do parque imobiliário municipal. No entanto, considerando que o valor da terra é o componente mais caro do bem imobiliário, haverá forte pressão para venda dos imóveis em áreas centrais e infraestruturadas, cabendo novamente aos pobres os morros ou os conjuntos na periferia. Sendo assim, continuaremos a reproduzir um modelo de expansão indefinida da malha urbana, insustentável do ponto de vista ambiental e econômico. Ou seja, vai sair mais caro para os cofres da prefeitura e para sociedade.
A alienação acrítica pode dificultar a execução de políticas públicas, principalmente as sociais, como educação, habitação de interesse social e saúde. Isso porque o estado perde margem de negociação no desenho territorial urbano, passando aos particulares as determinações dos usos e territórios urbanos.
A Prefeitura do Rio não pode renunciar suas atribuições e responsabilidades. Hoje, a gestora dos imóveis municipais é a Secretaria Municipal da Fazenda (SMF). Esta é quem detém o cadastro do ITBI e do IPTU. Ninguém sabe mais o valor de mercado dos imóveis do que a SMF. A potencial falta de transparência e a total exclusão dos quadros técnicos da administração pública nos processos de alienação dos imóveis municipais tornarão inviável qualquer tentativa de planejamento de futuro da cidade do Rio de Janeiro. No entanto, acreditamos que se faz necessária a transparência sobre quais são os imóveis municipais. São informações que devem ser públicas para que a própria sociedade cobre que estas propriedades cumpram a sua função social e o interesse público, como preconiza a Constituição Federal e a Lei Orgânica do Rio de Janeiro.