O Colégio de Entidades de Arquitetura e Urbanismo do Rio de Janeiro (CEAU) promoveu na quinta-feira, 12 de maio, palestra para discutir a revisão do Plano Diretor do Rio de Janeiro, mas sob perspectiva das experiências de Belo Horizonte e São Paulo. O evento contou com as participações da coordenadora do macroplanejamento da Secretaria Municipal de Planejamento Urbano do Rio, Valéria Hazan, da ex-secretária de política urbana de Belo Horizonte, Maria Caldas, e do professor da FAU-USP Nabil Bonduki.
Para o coordenador do CEAU-RJ, arquiteto e urbanista Celso Rayol, o evento é fundamental para qualificar o debate com objetivo de proporcionar uma discussão mais profunda do processo de revisão do Plano Diretor da cidade do Rio de Janeiro. “Quando começamos a discutir a questão no âmbito do CEAU, surgiram várias dúvidas e críticas que antecedem qualquer processo. Decidimos então ouvir as experiências com quem fez, está fazendo e vai fazer o novo plano. Conseguimos reunir no evento profissionais envolvidos com trabalhos nesses três estágios”, afirmou.
O vice-presidente do CAU/RJ, Lucas Faulhaber lembrou que o Conselho tem acompanhado intensamente o processo de revisão do Plano Diretor do Rio de Janeiro. Destacou que o papel da autarquia, além de contribuir enquanto profissionais, é fomentar o protagonismo da sociedade civil. “O CAU/RJ investiu muito no diálogo com a sociedade. Fizemos parte e organizamos, junto com outras 100 entidades, o Fórum Popular do Plano Diretor, que promoveu curso, em parceria com IPPUR, sobre o que é o Plano Diretor e seus instrumentos”, disse. Faulhaber demonstrou interesse em ouvir as experiências de Belo Horizonte e São Paulo e, principalmente, como se deu a participação popular nos respectivos processos. Antes de passar a palavra aos palestrantes, o presidente do CAU/RJ, Pablo Benetti, falou da importância de os arquitetos e urbanistas especializar o que diz o Plano Diretor. “Trata-se de um normativo de difícil leitura. Precisamos dessa espacialidade para ver como o Plano Diretor, concretamente, desenha a forma da cidade”, explicou.
A arquiteta e urbanista Maria Caldas lembrou a todos que lotaram o plenário do CAU/RJ e aos que acompanhavam pela internet que o Plano Diretor, além de importante normativo urbanístico, é um instrumento construído num processo de disputa, que vai sempre existir. “Enfrentamos uma guerra para aprovar o Plano Diretor de Belo Horizonte (aprovação ocorreu em 2019). Não significa que isso acabou. A cada vez que existe uma mudança de gestão, uma movimentação política, muda as condições de equilíbrio e se abre uma janela de oportunidade. Há interesses conflitantes na cidade”, alertou. Maria destacou uma situação específica da capital mineira: a cidade teve, por 16 anos, governos progressistas em sequência. Esse contexto consolidou uma prática de democracia participativa muito forte na cidade. “É um processo de participação na formulação da política pública que caracteriza tudo que se faz em Belo Horizonte. É impossível discutir uma nova política, principalmente se for política urbana, sem um processo de discussão muito intenso”, explicou.
Em um contexto um pouco diferente, Bonduki falou que a discussão do Plano Diretor de São Paulo começou em 1990, embora não tenham conseguido concretizado nada na ocasião. “Em 1990, foram colocadas várias propostas que se concretizaram nos planos diretores de 2002 e 2014, como o coeficiente básico 1 e as ZEIS (Zonas de Especiais Interesse Social)”, disse. O arquiteto e urbanista lembrou que o Plano Diretor de São Paulo de 2002 foi um dos primeiros aprovados após o Estatuto da Cidade. Bonduki foi relator dos planos de 2002 e de 2014 de capital paulista e falou da importância do trabalho de escuta da população realizado. Outro aspecto destacado pelo arquiteto e urbanista foi a sintonia entre o Executivo e o Legislativo nos planos de 2002 e 2014. “Esse entrosamento foi importante para aperfeiçoarmos o projeto e chegar a um trabalho com coerência”, afirmou.
Entre os avanços do Plano Diretor de São Paulo, na perspectiva da Reforma Urbana, Bonduki destacou alguns pontos, entre eles a criação do coeficiente básico 1 em toda a cidade, consolidando o conceito de solo criado; a instituição e aplicabilidade dos instrumentos para combater a especulação com terrenos, edifícios e imóveis subutilizados e ociosos; a destinação de 30% dos recursos do Fundo de Desenvolvimento Urbano (Fundurb), oriundo da outorga onerosa, para a compra de terras em ZEIS 3 (bem localizadas) e 30% para transporte coletivo e não motorizado; entre outros.
A coordenadora do macroplanejamento da Secretaria Municipal de Planejamento Urbano do Rio de Janeiro, que substituiu o secretário Washington Fajardo no evento, lembrou que a cidade está em processo de debates do Plano Diretor na Câmara, com audiências públicas quase que semanais. Valéria destacou que o Plano Diretor é uma construção coletiva e ressaltou a importante contribuição dos funcionários de carreira da municipalidade nesse processo. A arquiteta e urbanista listou como desafios do Rio de Janeiro os contrastes sociais e urbanistas, além do adensamento desordenado. Outro entrave apontado foi a legislação urbanística antiga e desatualizada, que se tornou uma colcha de retalhos. “O Rio está no seu terceiro Plano Diretor. O primeiro foi de 1992, um plano paradigmático, depois o de 2011. E a gente nunca conseguiu aprovar uma lei de uso e ocupação do solo”, lamentou. Ao fazer conexão com a apresentação de Bonduki, que falou das dificuldades de implementar alguns instrumentos do Plano Diretor por exigirem leis complementares, Valéria disse que, desde 2011, o Executivo apresentou 40 projetos de leis ligados às questões urbanas para regulamentação do Plano Diretor, mas apenas quatro foram aprovados. “Estão na Câmara projetos de lei para regulamentação do IPTU progressivo, direito de superfície, entre tantos outros instrumentos. Nenhum aprovado até hoje”, criticou Valéria.
Segundo a arquiteta e urbanista, o grande desafio e aposta para o novo Plano Diretor do Rio é a integração da Lei de Uso e Ocupação do Solo e a Lei de Parcelamento do Solo. Uma inspiração do plano de Belo Horizonte. Valéria listou como prioridades do novo Plano Diretor a geração de novo ordenamento territorial, com especial atenção ao déficit habitacional, seja por inadequação, seja pelo déficit de moradia em si; a questão da produção de alimentos e, para isso, propõe-se a ampliação das zonas agrícolas na cidade. Pontuou ainda a criação de espaços de uso público e áreas verdes na Área de Planejamento 3 (AP3). “Queremos adensar a Zona Norte, mas precisamos criar espaços de uso público. O Parque de Madureira é um sucesso, mas não é suficiente como espaço de área verde na região”, explicou.
Ao término do evento, ficou claro que há muito ainda a ser debatido. Por isso, o coordenador do CEAU-RJ, Celso Rayol, e o presidente do CAU/RJ, Pablo Benetti, comprometeram-se a promover novos encontros para continuar a discussão. Os palestrantes disponibilizaram suas apresentações, que estão disponíveis para download nos links abaixo:
É possível também assistir a íntegra das palestras no canal oficial do CAU/RJ no YouTube ou no player abaixo: