Pesquisadoras da UFF falam sobre as remoções da zona portuária do Rio
25 de outubro de 2018 |
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“O Rio de Janeiro não é uma cidade do consenso”, afirmou a pesquisadora do Laboratório Grandes Projetos de Desenvolvimento Urbano (GPDU/UFF), Paula Cardoso, no lançamento do livro Crônicas de uma Cidade em Obras, de Paula de Paoli, no começo do mês.

A professora Fernanda Sanchez em palestra no CAU/RJ
Em entrevista ao CAU/RJ, ela e a professora da UFF, Fernanda Sanchez, também pesquisadora do GPDU/UFF, falaram sobre os conflitos urbanos advindos da implementação da Operação Urbana Porto Maravilha.
Como Paula de Paoli mostrou em sua apresentação, os novos equipamentos se concentraram na faixa de aterro da Zona Portuária e poucas alterações foram feitas nos bairros da Saúde e Gamboa. Houve melhorias para essas áreas?
Houve melhorias para o entorno dos empreendimentos imobiliários, com obras de melhorias das calçadas, mobiliário urbano e o VLT, em que as estações foram localizadas próximas justamente a esses novos prédios. Esse mesmo padrão, como verificamos em campo, não se apresenta no tecido mais antigo da região no bairro da Gamboa no entorno das ruas Pedro Ernesto e Livramento e piora consideravelmente nas bordas do Morro da Providência e do Pinto. Tampouco os hospitais federais nem estaduais estão adequadamente conectados na nova malha de mobilidade. O bairro da Saúde, por sua proximidade com o centro dos negócios carioca, apresenta mais melhorias urbanísticas e começa a ser destino de empreendimentos criativos demonstrando, diferentemente de outros setores, a substituição da população, característica de um processo de gentrificação.
Na palestra, vocês citaram que, no local onde hoje fica o mural do Kobra, havia um local de moradia popular. Poderia falar um pouco mais sobre o assunto?
Não é exatamente onde é o mural do Kobra, mas bem próximo, na Rua Rodrigues Alves 157. Ali existia a Ocupação Casarão Azul que foi removida em junho de 2009 sob forte repressão policial. O registro cinematográfico do dia da remoção aparece no documentário “Atrás da Porta” () , no qual aparecem as famílias com crianças sendo violentamente despejadas. A Pública Agência de notícias também possui um relato sobre o caso (https://apublica.org/100/?p=776). Na foto ao lado, de um dia de campo da pesquisa em outubro de 2017, registramos o anúncio de oferta de aluguel para o prédio. Durante 2016, o edifício recebeu em sua fachada uma intervenção com cartazes, sem nenhuma menção ao ocorrido, como parte da criação de uma aparência cenográfica para o Boulevard Olímpico.
Como se deu o processo de remoção das famílias que moravam na região? Quantas pessoas foram removidas?
O processo de segregação social no porto nos parece ser um continuum intensificado pela Operação Urbana Consorciada. Compreendemos que existem diferentes tipos de moradia popular na região como, por exemplo, as ocupações organizadas de moradia, as moradias em forma de cortiços, que permeiam as regiões formais da cidade, e áreas em assentamento popular, como o Morro da Providência. Para o primeiro caso, as remoções das ocupações, foram realizadas principalmente aquelas mais próximas à Praça Mauá, como a do Casarão Azul e a da Ocupação Zumbi dos Palmares, removidas entre 2009 e 2010, já no começo da Operação, enquanto que outras foram sendo ameaçadas e se efetivaram ao longo da preparação da área portuária para os megaeventos esportivos. Na Providência, 832 casas foram marcadas para remoção, que foi contestada pela resistência e organização das famílias, junto a fóruns, comissões de moradores e instituições como a Defensoria Pública do Estado, que denunciaram as remoções como política pública no âmbito da Operação Urbana. Apesar da resistência, mais de cento e vinte casas foram removidas da Providência. O caso da Providência está apresentado em publicação do Grupo de Pesquisa no livro “Planejamento e Conflitos Urbanos: Experiências de luta”, publicado pela Editora Letra Capital, em 2016.
Quais foram as principais ocupações removidas? O que foi feito no local onde essas pessoas moravam?
Podemos citar as ocupações Zumbi dos Palmares, Quilombo das Guerreiras, Machado de Assis, Casarão Azul e Flor do Asfalto. As três primeiras sabemos que inclusive possuíam projetos de reforma, elaborados em conjunto com movimentos sociais, ONGs de assessoria a movimentos de luta por moradia e a Universidade. Hoje em dia os edifícios continuam vazios, com exceção da Flor do asfalto, que se localizava onde hoje é o edifício Aqwa Corporate.
Para onde essas famílias foram levadas?
Não saberíamos dizer para onde todas as famílias foram, mas, possivelmente, para situações mais precárias quanto à inserção na cidade: ou localizações mais afastadas do Centro, como foi o caso de alguns moradores expulsos, que hoje moram em cortiços na região, ou foram removidos para a Zona Oeste nos conjuntos do Minha Casa Minha Vida, como bem documentado no livro de autoria do arquiteto Lucas Faulhaber e Lena Azevedo, “SMH 2016: Remoções no Rio de Janeiro Olímpico”.
Vocês consideram que há um apagamento e certa seletividade em relação à história do Porto e ao circuito da herança africana. Como se dá esse processo?
Como demonstra o mapa, alguns dos pontos localizados pelo projeto “Passados Presentes”, que uniu movimentos populares e a universidade, não aparecem no circuito oficial da Prefeitura do Rio de Janeiro. São justamente aqueles que rememoram locais religiosos ou de resistência popular, como O Candomblé, do pai de santo Cipriano Abedé e das barricadas da Revolta da Vacina, próximos da Praça da Harmonia.
É notório que o projeto do “Porto Maravilha” falhou na promoção de habitação (especialmente, habitação para pessoas de baixa renda) na região. Há algum destaque positivo?
Apesar de ter sido apresentado um Plano de Habitação de Interesse Social, como exigência da Caixa Econômica que controla os recursos do FGTS, o plano não virou realidade. Tanto as ações mais violentas ou mesmo tentativas falhas de permanência, agravaram o quadro de desestabilização das organizações de luta pela moradia.