Quem passa pela Capela São Silvestre, na Estrada Heitor da Silva Costa, em Santa Teresa, no Rio, não imagina que o local foi projetado pela primeira architecta brasileira, Arinda da Cruz Sobral, formada em 1914 na Escola Nacional de Belas Artes. Os visitantes, contudo, não podem ser responsabilizados por ignorar a autoria do lugar, que não consta nem nos registros oficiais.
A invisibilização da história de Arinda e outras mulheres arquitetas formadas no início do século XX foi um dos motivos que levou a historiadora Camila Belarmino a começar sua pesquisa de doutorado no Instituto de Arquitetura e Urbanismo (IAU) da USP, em São Carlos. A pesquisa é orientada pela professora Eulália Portela Negrelos.
“Trabalhei no curso de arquitetura da Unesa por oito anos e as alunas sempre me interpelavam, porque a história da arquitetura é contada com personagens masculinos. Para respondê-las, fui procurar essa história, mas só encontrava arquitetas dos Estados Unidos, da Alemanha, da França. No Brasil, eram pouquíssimas personagens, como Lina Bo Bardi e a engenheira e urbanista Carmen Portinho. Resolvi então fazer meu doutorado com esse tema, para sistematizar a pesquisa ”, lembra Belarmino.
Para Camila, a pesquisa pode contribuir para que essas arquitetas façam parte de novas pesquisas e para que suas histórias e produções cheguem às salas de aula. “Eu penso nessa pesquisa como um pontapé para desinvibilizar essas personagens. Outra ideia é rever as narrativas em arquitetura, que se constituem a partir de personagens masculinos que são ‘grandes gênios da arquitetura’. Eu parto do princípio de que, desta forma, não vamos conseguir contemplar muitos personagens. Por exemplo, a Arinda, até agora a gente sabe que ela construiu uma capela. Ela vai ser desmerecida na historiografia porque a gente não consegue enxergar nela uma genialidade criativa? É necessário começar a observar a arquitetura como ela é, como um exercício coletivo”, avalia.
Por meio da consulta a documentos oficiais e jornais da época, Camila descobriu que 28 mulheres se matricularam, entre 1907 e 1938, no primeiro curso de arquitetura do país, na Escola Nacional de Belas Artes (ENBA) do Rio de Janeiro. Destas, 25 se formaram e atuaram em escritórios particulares, na prefeitura ou se envolveram na luta feminista junto com a engenheira Carmen Portinho. Em 1937, foi criada a primeira associação de classe feminina, a Associação Brasileira de Arquitetas e Urbanistas.
A historiadora explica que as mulheres tiveram um papel importante na modernização do pensamento e do campo profissional. “No final do século XIX, começo do século XX, no Brasil, o movimento feminista estava em efervescência, principalmente na luta pela profissionalização da mulher e pelo direito ao voto. A presença da Arinda e outras mulheres na arquitetura, predominantemente masculina, vai ser abraçado pelas camadas mais intelectualizadas e politizadas da sociedade. A Arinda é referenciada como primeira arquiteta porque, neste momento, o Brasil quer mostrar como a sociedade é moderna, como o país não é mais aquele colonial, atrasado”, afirma.
Pioneira
Nascida em 04 de agosto de 1883, Arinda da Cruz Sobral era filha de Margarida Perpétua de Oliveira Sobral e João José da Cruz Sobral. Antes de ingressar na ENBA, Arinda se formou no curso normal em 1906 e se estabeleceu como professora da Prefeitura do Distrito Federal.
Em 16 de dezembro de 1911, O Paiz, jornal de grande circulação na cidade do Rio de Janeiro, registrou o fato de Arinda ser a primeira futura arquiteta do Brasil.
“Em architectura, porém, nenhuma senhora se havia matriculado até 1907, quando se matriculou a primeira e única que foi a Exma. Sra. D. Arinda da Cruz Sobral, normalista pela Escola Normal do Distrito Fedral e professora adjunta effectiva de 1a classe no mesmo Districto. (…) Trata-se de uma futura architecta brasileira, a primeira que na especialidade se diplomará no Brazil. Dependerá dela e somente dela esse diploma, mas quem com tanta aplicação e louvável aproveitamento se mostrou, durante cinco anos seguidos de estudos, saberá corresponder nos concursos da pratica vindouro. (…) A sua vida escolar que tem sido modelo de modéstia, circunspecção e trabalho, é um documento valioso de esperanças. (…) Em 1904, Londres anunciava os trabalhos da primeira architecta inglesa Miss Mac Clelland diplomada pelo Instituto Polytechnico Britannico, (…) Em 1905, revistas francezas de architectura noticiavam a formatura da architecta ingleza. (…)” (O Paíz, 16 de novembro de 1911, p.2)
Outra notícia encontrada por Camila Belarmino, desta vez do jornal A Notícia, de dezembro de 1911, fala sobre a inauguração da Capela São Silvestre.
“Oratorio do Silvestre – Lançamento da pedra fundamental – Primeiro projecto da primeira architecta brasileira – Festejos no dia 31, á meia noite. (…) No domingo ás 9 horas da manhã, como a imprensa noticeou, foi lançada a pedra fundamental, na presença do Senhor Marechal Presidente da República, do chefe de sua casa militar e de muitas pessoas. (…) O desenho do projecto foi elaborado pela Sra. D. Arinda da Cruz Sobral, a primeira brasileira a diplomar-se em architectura.” (A Notícia, 28 – 29 de dezembro de 1911, p. 3)
Camila Belarmino espera comprovar, ainda, que Arinda da Cruz Sobral é a primeira mulher a receber o título de arquiteta na América Latina e/ou América do Sul, já que o registro mais conhecido é da arquiteta uruguaia Julia Guarino, em 1923.
Por Marta Valim