Ocupação Solano Trindade, em Duque de Caxias, é exemplo de integração com a universidade
24 de julho de 2018 |
|
Representante da Ocupação Solano Trindade, em Duque de Caxias, compartilhou com os participantes do VII Encontro com a Sociedade do CAU/RJ, em Nova Iguaçu, detalhes do trabalho de sucesso na aplicação da assessoria técnica e na construção de parceria com a universidade. A ocupação é exemplo de inovação nas formas associativas de trabalho e produção de cidade. O projeto habitacional, inclusive, foi o vencedor do Prêmio FUJB de Extensão Universitária 2015.
A construção desse programa foi motivada pela sinergia de interesses entre o grupo da UFRJ, o Movimento Nacional de Luta pela Moradia (MNLM) e a Cooperativa Liga Urbana, que visa a promover a sustentabilidade de projetos de habitação de interesse social, articulando a luta pela moradia com o trabalho, cultura e lazer. A UFRJ entrou como integradora ajudando a pensar tecnologias alternativas que contribuíram para os programas de bem estar e para formação do trabalho associado.
O terreno, que conta com 48 mil m² e fica no bairro de São Bento, em Duque de Caixas, fazia parte do Centro Panamericano de Febre Aftosa, e estava sob responsabilidade do Incra. O terreno ficou mais de 15 anos abandonado até que o MNLM começou a dialogar com a Secretária de Patrimônio da União (SPU) para que o terreno fosse concedido para um projeto de moradia de interesse social.
Em 2014, a ocupação começou. Devido às características de Solano, o Movimento apostou em um trabalho focado na produção de alimentos orgânicos que são comercializados na feira da UFRJ e que geram renda para as famílias. Há, ainda, um restaurante ecológico que movimenta a economia local para o coletivo de mulheres. O saneamento também é ecológico, feito com soluções alternativas para tratamento de esgoto com pneus, além da compostagem de resíduos. Já existiam dois edifícios quando começou a ocupação, um deles já foi recuperado para se transformar em moradia. O segundo passará pelo processo de requalificação agora. “Pretendemos iniciar outros projetos, como o canteiro experimental de componentes construtivos, ainda este ano”, detalhou a arquiteta e urbanista.
O trabalho de mutirão para recuperação das áreas teve início em maio de 2015. Até 2016 foram definidos os modelos das casas para o projeto. Em 2017 começaram parcerias na área agroecológica e a recuperação do telhado. Os moradores trabalharam em parceria com os alunos. Também conseguiram um financiamento coletivo para fazer a modelagem do novo do prédio com madeira doada pela UFRJ, trazida de Cabo Frio.
A parceria entre a UFRJ e o Movimento se originou de visões coincidentes em relação à produção de cidades e políticas urbanas, com foco em economia social e solidária. Essa aproximação acabou por se transformar no embrião do programa de extensão na Universidade, direcionado para estratégias de cooperativas e de sustentabilidade. Segundo a representante da ocupação, algumas disciplinas de graduação, tanto da arquitetura quanto do mestrado em tecnologia social da Escola Politécnica estão sendo oferecidas em Solano. Há, ainda, um pré-vestibular e projetos para pensar organização do trabalho, a questão de saneamento, a economia popular, além da assessoria técnica. “A gente enxerga uma potência na interlocução entre Universidade e Movimento. O resultado são formas experimentais de produção. Nesse projeto repensamos vários aspectos, desde assessoria técnica a pesquisa e ensino. Inovamos também nos parâmetros de bem-estar”, contou.
Na avaliação da arquiteta e urbanista, o fato de várias disciplinas (design de interiores, cozinha coletiva, etc) estarem sendo desenvolvidas em Solano e integrarem os projetos de conclusão de curso é muito estimulante para quem que participa. “O engajamento é totalmente diferente quando você sabe que o seu trabalho vai ter uma aplicabilidade”, disse.
Mais exemplos
O renomado arquiteto Demetre Anastassakis foi convidado para a quarta mesa. Ele iniciou sua fala reforçando a necessidade de pautar a agenda dos candidatos a presidente, que hoje está muito distante do que arquitetos e urbanistas consideram como minimamente necessário, independente de cor política ou partidária. “O Brasil inventou o Favela Bairro e fez programas inovadores em Salvador, São Paulo, Belo Horizonte. O Morar Carioca poderia fechar com chave de ouro e ser o programa de urbanização de favelas definitivo. Contudo, a atual prefeitura abandonou o projeto e não se sabe por qual tipo de interesse. Foi falta de visão abandonar um projeto deste tipo que é um patrimônio mundial”, destacou Demetre.
Para o arquiteto e urbanista, o planejamento da Região Metropolitana do Rio de Janeiro é um dos mais avançados. Contudo, não está institucionalizado. “Houve muito retrocesso e, além disso, os projetos são feitos como parte de orçamento de obras, quando, na verdade, deveriam ser gestados com a população que vai usar os imóveis. Um projeto, não é parafuso. Quando alguém decide fazer uma obra e não tem projeto, simplesmente, executa de qualquer maneira”, avaliou.
O arquiteto questionou o modelo em quem a “mais valia” fica concentrada em um único prestador que é a construtora, quando, na verdade, exitem dezenas de outros atores no processo como o usuário que vai pagar pela moradia, a prefeitura que fornece serviços de infraestrutura, e os arquitetos e engenheiros envolvidos no processo de construção. Analisando o programa Minha Casa, Minha Vida, Demetre apontou como principal problema o fato de ele não trabalhar para o usuário, uma vez que as pessoas que vão morar no empreendimento não escolhem o bairro, nem a obra, sequer a construtora e o arquiteto.
Ele contou que os projetos de assessoria técnica coletiva começaram em São Paulo com mutirões capitaneados pela então assistente social, Luiza Erundina, que, mais tarde, veio a se tornar prefeita de São Paulo. Em Zumbi dos Palmares, em Nova Iguaçu, no Rio de Janeiro, houve uma tentativa de se replicar um modelo construtivo de São Paulo. Foi um processo que dura 30 anos, mas ainda seria necessário implantar um programa de assessoria técnica na região, segundo Demetre.