A Câmara Municipal do Rio de Janeiro realizou na segunda-feira, 25 de maio, audiência pública para discutir o Projeto de Lei Complementar (PLC) nº 174/2020. Proposta pela Prefeitura do Rio de Janeiro, a iniciativa estabelece incentivos para pagamento de contrapartida no licenciamento e legalização de construções. Duramente criticada por urbanistas e por atores do setor da construção civil, o PLC permite o descumprimento da legislação urbanística vigente.
O PLC pretende flexibilizar normas urbanísticas exigindo em troca o pagamento de contrapartida financeira para o licenciamento e legalização de construções no município do Rio de Janeiro. Trata-se de uma reedição da “lei da mais valia”, porém sem prazo de término. A proposta da prefeitura visa ainda a estabelecer novos parâmetros urbanísticos, recuperando fragmentos de propostas legislativas anteriores criticados pela sociedade, bem como a ampliação de benefícios para a reconversão de hotéis, o aumento de gabarito e a alteração nas regras de afastamento em diversas áreas da cidade. Outra proposta rejeitada, mas que retorna com o PLC 174/2020, é a possibilidade de construção de novos tipos de edificações acima da cota 100.
De acordo com a secretária municipal de Urbanismo Fernanda Maria Tejada, o projeto de lei foi uma encomenda com fins arrecadatórios, e que se divide em dois grandes blocos: o primeiro trata de um desconto expressivo para que contribuintes possam antecipar despesas e passar para formalidade; enquanto o segundo reúne um hall de artigos que já vinham sendo tratado em outros projetos de lei, que estavam tramitando na Câmara. “Entendemos que os Projetos de Lei 136 e 141 podem ser analisados, levados à votação e aprovação. A construção civil é fundamental para a retomada econômica e precisamos desses parceiros (mercado imobiliário) para a retomada da economia da cidade”, disse.
A apresentação das modificações urbanísticas propostas pelo PLC 174/2020 coube à coordenadora de planejamento da SMU, Mariana Barroso. De acordo com a técnica da prefeitura, o projeto de lei modifica a lei 192, concedendo desconto nos laudos já emitidos, mas que não concluíram o pagamento. Para isso, terão desconto. Outra modificação é a conversão dos hotéis da Lei 108, que tinham como objetivo atender aos grandes eventos sediados na cidade: Copa do Mundo e Olimpíada. Ainda segundo Mariana, apesar do PLC vigorar para toda a cidade, a legislação terá efeito prático apenas em áreas com melhor infraestrutura e proteção, que é a AP2 (Botafogo, Copacabana, Lagoa, Rocinha, Tijuca e Vila Isabel).
“O projeto de lei desrespeita todo arcabouço legal que a gente tem sobre a questão do planejamento urbano, do Estatuto das Cidades, do Plano Diretor e da Lei Orgânica do Município. Foi falado que o instrumento apresentado é uma espécie de outorga onerosa, mas não é. Se é para fazer outorga onerosa, que se faça no momento adequado, que é na revisão do Plano Diretor”, criticou Lucas Faulhaber. Ainda segundo o coordenador da Comissão de Política Urbana do CAU/RJ, a justificativa de que o PLC visa a arrecadar receita para o combate à pandemia da Covid-19 não convence. “A justificativa parece mais um artifício para que o projeto entre em pauta neste momento, o que é preocupante. Estamos pensando em arrecadar agora, mas sem planejar o futuro da cidade”, argumentou.
A arquiteta e integrante da gestão compartilha do Departamento Rio de Janeiro do Instituto de Arquitetos do Brasil (IAB-RJ), Tainá de Paula, leu manifestação da entidade em que expressa oposição à proposta da prefeitura. “Nunca se viu uma tentativa tão drástica de desconhecimento de todo o arcabouço legislativo urbanístico e edilício na história da nossa cidade, na medida em que o referido projeto de lei altera índices e condições de quadras inteiras com impacto em conjuntos de quadras. O ímpeto para aprovação e as consequências desse PL são inadmissíveis não apenas em razão de conteúdos contraditórios com os parâmetros do urbanístico contemporâneo, mas, principalmente, por não haver transparência ao longo da elaboração do estudo e tampouco audiência pública”, disse.
A diretora de urbanismo da Federação das Associações de Moradores do Município do Rio de Janeiro, arquiteta e urbanista Rose Compans, mostrou-se perplexa com as mudanças propostas pela prefeitura e adiantou na audiência que a entidade encaminhará petição ao presidente da Câmara, solicitando a devolução imediata do PLC 174/2020 por considerar instrumento inapropriado para os fins a que se destina. Para Rose, o projeto de lei é também inconstitucional por ferir ordenamento jurídico e leis hierarquicamente acima da Lei Ordinária. “A legislação de uso do solo, desde a Constituição Federal, no artigo 30, inciso oitavo, que diz que uma das competências exclusivas dos municípios é promover o adequado ordenamento territorial, mediante planejamento e controle do solo urbano. O Estatuto das Cidades, a Lei Orgânica, a Constituição Estadual, o Plano Diretor, todo esse edifício de direito urbanístico define a legislação de uso e ocupação do solo como instrumento de política urbana para viabilizar os objetivos e diretrizes expostos no Plano Diretor e Estatuto das Cidades, que são o pleno desenvolvimento das construções urbanas, o adequado ordenamento territorial, entre outros. É um instrumento específico, para uma utilidade específica. Está sendo usada agora para fins de arrecadar recursos para combater a crise sanitária da Covid e pagar servidores. Vamos fazer uma exceção, uma lei que não só fere a Constituição Federal, o Estatuto das Cidades, mas modifica Lei Orgânica, modifica Plano Diretor, modifica todos os Planos de Estruturação Urbana e todo o zoneamento, pois extingue os zoneamentos residenciais um (ZR1) e permite edificação nas zonas especiais um ( ZE1), que são zonas de proteção ambiental”, criticou.
Participaram da audiência representantes da Procuradoria do Município do Rio de Janeiro, do Ministério Público do Estado do Rio de Janeiro, do CAU/RJ, do IAB-RJ, do Sindicato dos Trabalhadores da Construção Civil, do Grupo de Trabalho dos Arquitetos do Mercado Imobiliário, da Associação dos Dirigentes de Empresas do Mercado Imobiliário, de associações de moradores e da Citè Arquitetura. Os vereadores Tarcísio Motta (PSOL), Leonel Brizola (PSOL), Reimont (PT), Renato Cinco (PSOL), Dr. Jairinho (SD), Marcelo Arar (PTB), Thiago K. Ribeiro (DEM), Rafael Aloisio Freitas (CIDADANIA), Willian Coelho (DC), Átila A. Nunes (DEM), Fernando William (PDT), Tânia Bastos (REPUBLICANOS), Jorge Felippe (DEM) e César Maia (DEM) acompanharam também a sessão virtual, que foi presidida pelo vereador Marcello Siciliano (sem partido).