O paradoxo da Arquitetura e Urbanismo
Artigo originalmente publicado no Jornal do Brasil no dia 15 de dezembro de 2018
21 de dezembro de 2018 |
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* Por Jeferson Salazar
Conto com a benevolência dos caros leitores, em especial dos arquitetos e urbanistas, para refletirem comigo hoje, Dia Nacional do Arquiteto e Urbanista, sobre o paradoxo da nossa profissão. De início, uma provocação: o que é uma reta? A maioria responderá que é a menor distância entre dois pontos. Apesar de correta, a definição não se limita a essa simples constatação.
Os mais críticos, os inconformados e os que estão com os pés fincados na realidade nacional dirão que a reta expõe a nossa frágil capacidade de análise crítica, pois nos leva a raciocínios extremamente simplificados e a verdades pseudoabsolutas. Poderão dizer ainda que é uma demonstração de como somos forjados para sermos manipulados ideologicamente, porque, sem pestanejar, pensamos na reta como a menor distância entre dois pontos. É verdade? Claro que sim, mas não toda verdade!
A reta também secciona um plano em duas partes. Dialeticamente, a reta une e segrega ao mesmo tempo. Une dois pontos, tanto quanto segrega um plano em dois. Aí está o dilema central, que reflete o paradoxo da Arquitetura e Urbanismo. Como usar a reta, metaforicamente falando, sem torná-la elemento de segregação social e arma contra a nós mesmos e a sociedade? Enquanto arquitetos e urbanistas, não devermos permitir que o manto do conhecimento técnico-profissional seja usado para camuflar escolhas políticas e ideológicas excludentes e que interferem na direção de nossas retas. O conhecimento técnico nos capacita para fazermos a reta, já o adquirido pelas ciências humanas nos prepara para sabermos porquê, para quem, quando, como e onde devemos usar a reta, de forma que a mesma possa ser utilizada em benefício de todos.
A Arquitetura e Urbanismo só tem serventia se converter seu conhecimento e sua atuação em força transformadora da realidade. O produto da nossa atividade profissional não deve ser privilégio de poucos, assim como não pode se limitar aos poucos e pontuais megaprojetos. A produção da nossa profissão interfere no cotidiano dos Zés e das Marias de todo o país. Este é o caminho mais seguro para fortalecer institucionalmente a função social da Arquitetura e Urbanismo e a nova imagem que desejamos à nossa profissão, o de agente promotor do bem-estar social universal. Nesse
contexto, a implementação da Lei Federal nº 11.888, mais conhecida como Lei da Assistência Técnica, que assegura às famílias com renda mensal de até três salários mínimos assistência técnica pública e gratuita para o projeto e a construção de habitação de interesse social, é fundamental. Não podemos deixar de lamentar que, no próximo dia 24, a lei recém-mencionada completará 10 anos e, apesar da sua extrema importância, para um país que tem 85% da sua população em áreas urbanas, continua desconhecida pela sociedade e carece de regulamentação nos municípios.
Como autarquia pública federal responsável por orientar, disciplinar e fiscalizar o exercício profissional, o Conselho de Arquitetura e Urbanismo do Rio de Janeiro (CAU/RJ) empreendeu esforços, ao longo deste ano, em defesa da regulamentação da Lei da Assistência Técnica nas cidades fluminenses, sem deixar de lado as atribuições que lhe compete. Podemos dizer, sem medo de errar, que o CAU/RJ é um dos principais “advogados” do projeto de lei 642/2017, de autoria da ex-vereadora executada Marielle Franco e em tramitação na Câmara Municipal do Rio de Janeiro, que garante o serviço de assistência técnica profissional para o projeto e a construção à população de baixa renda na capital fluminense. Minuta de projeto de lei para implantação da assistência técnica foi apresentada por nós também nas cidades de Miguel Pereira, Rio das Ostras, entre outras cidades.
Mais do que celebrar, o Dia Nacional do Arquiteto e Urbanista é o momento propício para pensarmos os rumos da nossa profissão e o quanto temos a contribuir para construção de cidades menos desiguais, sustentáveis e democráticas. Não posso concluir sem antes dar meu salve ao mestre Oscar Niemeyer, que hoje completaria 111 anos, e convidar as arquitetas e os arquitetos urbanistas para comemorar o nosso dia, no Teatro Nelson Rodrigues, terça-feira, 18 de dezembro, a partir das 16h.
* Jeferson Salazar é arquiteto e urbanista, presidente do Conselho de Arquitetura e Urbanismo do Rio de Janeiro (CAU/RJ)