Núcleo de Arquitetos e Urbanistas de Petrópolis do IAB-RJ divulga nota sobre tragédia na cidade
24 de fevereiro de 2022 |
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Diante da monstruosa tragédia que se abateu, mais uma vez, sobre Petrópolis, vemos uma mobilização que mostra o poder de conectar grupos diversos em redes com o objetivo comum de fazer o bem a quem mais precisa. Entretanto, as mudanças estruturais necessárias para que essas tragédias não tenham proporção e frequência cada vez maiores, vão demandar uma longa e difícil luta.
É natural que, uma vez passada a crise aguda, o engajamento vá diminuindo e a mídia perca naturalmente o interesse no assunto, que deixa de ser um trending topic nas redes, como já aconteceu inúmeras vezes. Se nos desmobilizarmos, não adianta apontar o dedo para os políticos, mesmo que esses tenham parcela considerável de culpa no estado de coisas. É fácil e perigoso achar um culpado quando uma parte importante da sociedade também contribui diretamente com o problema e outra grande parcela não se importa mais.
A dinâmica de transformação das cidades brasileiras produz distorções e riscos profundos em razão de uma conjunção de fatores, mas dois deles são combustíveis fundamentais nesse processo: a ausência de políticas habitacionais consistentes e o fazer libertário de cidade, alimentado por uma mistura de neoliberalismo suicida e populismo irresponsável. Esse espírito de tempo foi bem compreendido por muitos políticos que enxergam na regulação de legislações restritivas, um mau negócio para obtenção de votos.
Deve-se entender como política habitacional não apenas a produção de moradias, mas todo o planejamento das cidades no sentido de criar sistemas mais igualitários e menos excludentes. Os indicadores do IBGE apontam para uma tendência de demanda de quase 50% de acréscimo de unidades habitacionais nos próximos anos. É preciso, então, encontrar um lugar para que essas pessoas possam morar de maneira digna e segura, de preferência em áreas já infraestruturadas da cidade. Novas moradias não são apenas novas construções, há imóveis fechados, áreas subutilizadas, vazios urbanos e locais passíveis de adensamento. Assim como, há construções em áreas de risco que poderiam deixar de sê-las com obras de infraestrutura e assistência técnica de interesse social.
Para que isso ocorra é preciso planejamento, feito de forma ampla e democrática, com o suporte de um corpo técnico de servidores públicos, capacitados e bem remunerados. Planejamento requer longo prazo, que não cabe no ciclo curto dos mandatos políticos. Talvez não dê votos, mas salva vidas. Não apenas as ceifadas pela chuva, mas aquelas que vão se consumindo pouco a pouco ou sendo inviabilizadas em uma cidade desigual e injusta.
Esse episódio recente escancara o fato de que a cidade é uma só e que a tragédia afeta com mais intensidade a população mais pobre. Em sua maioria, os moradores do Morro da Oficina foram os mais atingidos pelas fortes chuvas. Outros padeceram nos ônibus ou foram carregados pela correnteza das águas. E muitos ainda perderão a vida ou a dignidade, de forma lenta e silenciosa, como consequência de sequelas físicas, psicológicas e materiais. Esses nunca farão parte das estatísticas.
Não serão também as verbas para obras emergenciais, frequentemente mal utilizadas ou parcialmente ignoradas, capazes de salvar as vidas marcadas pelo destino no próximo desastre, cuja data de ocorrência não é conhecida, mas é indubitável. É preciso, portanto, atacar o problema de maneira estrutural, olhando com atenção para as dinâmicas de produção e planejamento da cidade e de políticas habitacionais. São tarefas que devem envolver a sociedade, os profissionais de diversas áreas e nós Arquitetos e Urbanistas, habilitados a intervir espacialmente nas cidades.
Que toda essa onda de empatia e solidariedade, tão comovente a nos encher de esperança, possa ter a continuidade necessária para que, como grupo, possamos lutar por uma Petrópolis mais justa, segura, sustentável e resiliente. Juntos temos mais chance de fazer essa transformação.
NAU Petrópolis
23 de fevereiro de 2022