Nota IAB/RJ e CAU/RJ sobre o falecimento de colega arquiteto e urbanista Armando Leitão Mendes
28 de setembro de 2022 |
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É com muito pesar que o Instituto de Arquitetos do Brasil – Departamento do Rio de Janeiro (IAB/RJ), em conjunto com o Conselho de Arquitetura e Urbanismo do Rio de Janeiro (CAU/RJ), informa o falecimento do arquiteto e urbanista, ex-vice-presidente do IAB/RJ, ex-conselheiro do CAU/RJ, Armando Leitão Mendes na data de 27 de setembro de 2022, na cidade de Niterói.
Nascido em 04 de agosto de 1944, natural de Portugal, Armando Leitão Mendes, ou somente Armando Mendes – que mais tarde viria a ser o seu nome de guerra, formou-se primeiro em Arquitetura, no ano de 1968, pela UFRJ, complementando a sua formação em Urbanismo, em 1974, pela mesma universidade, em época anterior à unificação dos currículos.
Recém-formado, ingressa para o quadro técnico da Prefeitura do Rio de Janeiro em 1970, onde atuou até 1995. Neste período ocupou vários cargos de assessoramento, coordenação, superintendência, presidência de comissões, orbitando sempre na temática do planejamento urbano, com especializações e experiências na área de Projetos Habitacionais e Urbanos (BNH/1978), Urbanização e Regularização Fundiária (Projeto RIO – Favela da Maré e Vila do João), tendo sido Supervisor do Plano Metropolitano da Região Metropolitana do Rio de Janeiro (FUNDREM/1981)
A partir de 1983 migra para a área do meio ambiente, atuando como Subsecretário de Obras e Meio Ambiente do Estado do Rio de Janeiro, período em que foi responsável pelos estudos que levaram ao programa Cada Família Um Lote e posterior regularização fundiária de diversas favelas.
De 1984 a 1985 foi Presidente da Fundação Estadual de Meio Ambiente – FEEMA, sendo representante do Estado do Rio de Janeiro no Conselho Nacional do Meio Ambiente – CONAMA. Neste curto período sua atuação enfática e firme em vários episódios suscitou, por parte de representantes de outros estados, o desejo de aprovação de moções de louvor pelas atitudes e decisões aguerridas na defesa do meio ambiente.
A partir desta ênfase ambiental, passou a atuar como Professor convidado do Curso de Pós-graduação em Planejamento Ambiental da UFF (1986/1987), Secretário de Planejamento e Meio Ambiente da Prefeitura Municipal de São Gonçalo em duas gestões (1988/1992 e 1998/2000) e Subsecretário Adjunto de Obras responsável pelos estudos técnicos do Programa de Despoluição da Baia de Guanabara – PDBG (BID/1994-1995)
Depois desta extensa vida pública, fundou a ALM – Armando Leitão Mendes Arquitetura, na qual era seu Diretor Presidente, tendo como sócio, seu filho, Gabriel Aquino Mendes, também arquiteto. Dentre as obras e projetos da ALM destacam-se: o Projeto do Parque Municipal Natural de Camboinhas (2003), o Projeto do Complexo Esportivo do Maracanã (2000-2006) e a Reforma do Maracanãzinho de adaptação para Pan Americano 2007, projeto desenvolvido entre anos de 2002 a 2007.
Armando Leitão Mendes, foi vice-presidente do IAB/RJ em duas gestões, de 2005 a 2007 e de 2007-2009. Também foi conselheiro do CAU/RJ nos anos de 2015 a 2017. Deixa netos e um casal de filhos maravilhosos, Gabriel e Nathália, além da companheira, Sônia Aquino, também arquiteta, ex-servidora pública e escritora, parceira de longa jornada.
Uma Nota, Uma Estatura
A nota 323 – o gás da morte – do Escritablog, narra, em 2016, um episódio ocorrido em 6 de dezembro de 84 tendo como protagonista o arquiteto Armando Mendes. Diz a nota: “No Rio, o presidente da Feema, a Cetesb local, Armando Leitão Mendes, jurou que não permitirá o desembarque de 13 toneladas do gás venenoso isocianato de metila adquiridas por uma empresa de São Paulo, que o utilizaria em Resende, estado do primeiro: o produto provocou a verdadeira matança – 2 mil indivíduos – na Índia.” (http://escritablog.blogspot.com/2016/12/nem-marx-nem-engels-e-nem-lenin-foram.html )
Fui pesquisar, tratava-se da 3ª Reunião Ordinária do Conselho Nacional do Meio Ambiente – CONAMA, realizada naquela data (06/12/1984), no Hotel Eron Brasília, Distrito Federal. Entre os representantes dos Estados constava a presença de Armando Leitão Mendes, então presidente da FEEMA, representando o Governo do Estado do Rio de Janeiro. A pauta continha temas como a discussão de aproveitamento de hidrelétricas na Amazônia, da necessidade de estudos de impacto ambiental, de problemas com a mineração de ouro e a localização de portos no Pantanal Matrogrossense, da escala crescente de utilização de mercúrio, causando poluição nos rios e afetando a saúde dos garimpeiros, além da poluição do vinhoto causada pelas destilarias de álcool.
A reunião poderia ter sido realizada ontem, tão atual é sua agenda!
A certa altura, às fls.5 da ata, o representante do Governo do Paraná, solicita que se registrasse o pavoroso desastre ecológico ocorrido em Bhopal, na Índia, com o vazamento de metil isocianato, da “Union Carbide”, como exemplo do que pode ser obtido quando o monopólio da ciência e da tecnologia se transformam em brutais agressões ao meio ambiente e à qualidade de vida, causando a morte de mais de 2.000 pessoas, além de feridos.
Dizia o autor da solicitação: “corre-se o risco eterno de sermos vítimas do que aconteceu na Índia, pois há um abismo entre os países do terceiro mundo e aqueles que detém o monopólio da ciência e tecnologia”.
Na sequência, o mesmo representante baseado no item II, do art. 71, do Regimento Interno do CONAMA, propôs manifestação de louvor ao Governo do Estado do Rio de Janeiro, à sua Secretaria de Obras e Meio Ambiente e à FEEMA, pela coerência política com que o Estado do Rio de Janeiro se posicionou frente à entrada de metil isocianato em seu território. (http://conama.mma.gov.br/index.php?option=com_sisconama&task=documento.download&id=23526)
A moção não foi aprovada por uma série de argumentações burocráticas que, em verdade, escondiam os interesses numa futura liberação do produto, mas a importância da atuação firme e enérgica de Armando Leitão Mendes, à frente do órgão ambiental do Estado do Rio já havia sido registrada.
O presente episódio está sendo trazido a baila neste momento de luto e tristeza pela partida de um grande colega para chamar a atenção para a estatura moral de Armando Mendes, que nunca hesitava no trato com a coisa pública, com a ética da atuação em cargos públicos e, principalmente, com a ética no exercício da profissão.
Em sua militância no Instituto de Arquitetos do Brasil e depois no Conselho de Arquitetura e Urbanismo, já passados vinte anos deste episódio, conhecemos um Armando mais despojado, um grande parceiro, homem inteligente, estudioso, meticuloso, astuto, que se dispunha a atuar em benefício das instituições de classe, e, principalmente, em prol dos colegas profissionais que às vezes jazem na invisibilidade de suas vidas, que atuam como autônomos, dispersos no território, absorvidos no corre-corre das obras e projetos, no dia a dia de suas labutas, sem contar com a couraça da proteção do serviço público ou da academia.
Nisto residia o foco da sua militância, a preocupação com as instituições e órgãos de classe de modo que estas não perdessem de vista, o papel mais importante a ser desempenhado por elas em prol do arquiteto não corporativo.
Como vice-presidente na minha gestão à frente do IAB/RJ, não poderia ter sido melhor parceiro. Sempre disposto a ouvir, a buscar as melhores soluções e a me amparar, incondicionalmente, nos momentos mais difíceis.
Hoje estamos dando adeus, antes de mais nada, a um grande ser humano, um grande profissional, um grande AMIGO, que parte discretamente, como assim gostava de viver, debaixo do seu chapéu de palha.
Não há poema mais apropriado para este adeus, que o da Canção da América, na voz do cancioneiro Milton Nascimento.
Amigo é coisa pra se guardar,
Debaixo de sete chaves
Dentro do coração
Assim falava a canção que na América ouvi
Mas quem cantava chorou
Ao ver o seu amigo partir
Mas quem ficou, no pensamento voou
Com seu canto que o outro lembrou
E quem voou, no pensamento ficou
Com a lembrança que o outro cantou
Amigo é coisa para se guardar
No lado esquerdo do peito
Mesmo que o tempo e a distância digam “não”
Mesmo esquecendo a canção,
O que importa é ouvir
A voz que vem do coração
Pois seja o que vier,
Venha o que vier,
Qualquer dia, amigo, vamos voltar
A te encontrar,
Qualquer dia, amigo, a gente vai se encontrar ….
Rio de Janeiro, 28 de agosto de 2022.
* Por Dayse Góis, ex-presidente IAB-RJ (gestão 2007/2009, em que Armando Mendes foi vice-presidente)