Marielle Franco: defensora dos direitos humanos e do direito à cidade
22 de março de 2018 |
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Reconhecida pela luta em defesa dos direitos humanos, das mulheres, da população negra, LGBT e das favelas, Marielle também se identificava com pautas ligadas à cidade. Em dezembro, ela apresentou à Câmara de Vereadores Projeto de Lei 627/2017 sobre Assistência Técnica para Habitação de Interesse Social.
“Esta é uma demanda histórica dos movimentos sociais e de entidades ligadas ao campo da arquitetura e urbanismo diante da enorme população de baixa renda que necessita de projetos e obras para a melhoria da sua condição de moradia”, afirmou Marielle na justificativa do projeto. “Também se mostra importante ampliar o número de exemplos de boas práticas de projeto e construção na cidade, que contribua para difusão das experiências”, completou.
Em junho do mesmo ano, participou do 1º Encontro Direito à Favela, na Favela da Maré, onde foi criada. Inspirado no Direito à Cidade, o movimento busca inspirar o debate de políticas públicas que tenham um impacto positivo nas favelas e nas áreas periféricas do entorno.
Marielle representou também o Brasil em conferência sobre mobilidade, a Mobilize 2017, em Santiago (Chile). O convite foi feito pelo Instituto para Políticas de Desenvolvimento e Transporte (ITDP). Em sua palestra, falou sobre a relação entre a mobilidade e o debate de gênero na cidade, sobre a violência que as mulheres sofrem no dia a dia do transporte urbano e como isso tem a ver com Direito à Cidade.
Cerca de uma semana antes de sua morte, Marielle Franco tinha participado do evento “Arquitetura: substantivo feminino”, no CAU/RJ. Na ocasião, ela questionou: “é possível falar de direito à arquitetura para as mulheres? É possível falar de direito à cidade para as mulheres? E direito à segurança pública para as mulheres faveladas em tempos de intervenção federal”?
Uma semana após assassinato de Marielle Franco, ato ecumênico e fake news
Personalidades internacionais lançaram manifesto para cobrar a criação de comissão independente, “composta por proeminentes e respeitados especialistas em direitos humanos e legais, nacionais e internacionais”, para conduzir investigação independente do assassinato de Marielle Franco e Anderson Pedro Gomes. Documento conta com a assinatura do filósofo Noam Chomsky, do diretor de cinema Oliver Stone, dos atores Gael García Bernal e Danny Glover, entre outros.
Ato ecumênico e político reuniu, na terça-feira, 20 de março, milhares de pessoas no Centro do Rio para lembrar o assassinato de Marielle e Anderson. Missas foram rezadas em várias partes do país. No mesmo dia, dezenas de Ongs de diversos países denunciaram na ONU a perseguição a defensores de direitos humanos no Brasil, pedindo investigações independentes. O jornal The Washington Post considerou Marielle Franco “símbolo global da opressão racial” em reportagem de capa.
A Divisão de Homicídios da Polícia Civil, responsável pela investigação do caso, segue duas linhas principais de investigação: de que o crime tenha sido praticado por milicianos ou motivado por uma denúncia, feita dias antes, contra o 41º Batalhão da Polícia Militar de Irajá. O que se sabe, até o momento, é que as munições encontradas na cena do crime pertencem ao mesmo lote (UZZ18) usado em uma chacina em São Paulo, em 2015. O lote foi vendido pela Companhia Brasileira de Cartuchos (CBC) à Polícia Federal em Brasília em 2006.
Enquanto isso, boatos sobre a vereadora se espalharam pela internet. Entre as notícias falsas (fake news), a de que Marielle foi eleita pelo Comando Vermelho e de que tinha sido namorada do traficante Marcinho VP. As mentiras foram amplamente compartilhadas nas redes sociais, inclusive pela desembargadora Marília Castro Neves, levando o Conselho Nacional de Justiça a abrir um processo para investigar as acusações. O pastor evangélico Marcos Carvalho, subtenente da Polícia Militar de Arraial do Cabo, e o deputado Alberto Silva também ajudaram a propagar as inverdades.
Leia, abaixo, o manifesto
“Na semana passada, uma das líderes sociais mais corajosas do Brasil foi brutalmente assassinada nas ruas do Rio de Janeiro. Marielle Franco, vereadora da cidade e defensora dos direitos humanos, foi baleada quatro vezes na cabeça por agressores desconhecidos em um veículo que a perseguiu pouco depois dela deixar um encontro com jovens ativistas negras. Seu motorista, Anderson Pedro Gomes, foi morto e sua assessora de foi ferida.
Muito antes de ser eleita para a Câmara de Vereadores do Rio em 2016, Marielle era amplamente conhecida como uma defensora incansável e destemida dos direitos de negras e negros, pessoas LGBT, mulheres e favelados. Uma mulher negra e lésbica nascida e criada em um dos bairros mais pobres do Rio, ela fez implacáveis campanhas contra a crescente violência policial nas favelas da cidade.
O ativismo de Marielle ganhou muitos inimigos poderosos. Ela desafiou veementemente a impunidade que cerca as execuções extrajudiciais de jovens negros pelas forças de segurança e, dois dias antes de seu assassinato, denunciou o papel da polícia no assassinato de um jovem negro chamado Mattheus Melo. Ela era uma das principais críticas da intervenção militar no Rio de Janeiro e era a relatora da comissão da cidade encarregada de monitorar a intervenção.
Estamos profundamente preocupados e chocados com esse assassinato orquestrado contra uma mulher que era uma voz para os que não têm voz e um símbolo de resistência à violência perpetrada pelo Estado, à militarização e às forças antidemocráticas. Dado que o assassinato de Marielle tem todas as características de um assassinato planejado, pedimos a criação de uma comissão independente composta por proeminentes e respeitados especialistas em direitos humanos e legais, nacionais e internacionais, e encarregados de conduzir uma investigação independente do assassinato de Marielle Franco com plena cooperação das autoridades judiciárias e policiais do Estado.
Pouco antes de sua morte, Marielle perguntou: “Quantos mais terão que morrer antes que esta guerra acabe”. Pedimos justiça para Marielle Franco, sua filha e sua companheira que ela deixa para trás, e o fim dos assassinatos e da criminalização de ativistas, opositores do governo e pessoas de baixa renda no Brasil.”
Signatários:
Ava DuVernay, Cineasta
Rev. Jesse Jackson, Ativista dos direitos civis
Anielle Silva, irmã de Marielle Franco
Chimamanda Ngozi Adichie, Autora, Nigeria
Arundhati Roy, Autora, India
Angela Davis, Professora Emérita de Notório Saber, Universidade da California, Santa Cruz
Edward Snowden, Denunciante e Presidente da Fundação pela Liberdade de Imprensa
Shami Chakrabarti, Procurador Geral Oposicionista, Parlamento Britânico
Naomi Campbell, Modelo e ativista
Ta-Nehisi Coates, Autor e Jornalista da revista The Atlantic
Noam Chomsky, Professor Emérito de Linguística, teórico político
Janelle Monáe, Cantora e Compositora
Patrisse Cullors, Co-Fundadora do movimento Black Lives Matter, ativista LGBT
David Miranda, primeiro vereador LGBT do Rio de Janeiro, PSOL
Glenn Greenwald, Jornalista
Wagner Moura, Ator e Diretor
Marcelo Freixo, Deputado Federal, PSOL Presidente da Comissão de Defesa dos Direitos Humanos e Cidadania
Luciana Genro, Fundadora do PSOL, ex candidata à presidência do Brasil
Bertha Zúñiga Cáceres, filha da falecida ativista Berta Cáceres, Coordenadora Geral do Conselho Civil de Organizações Civis e Indígenas de Honduras (COPINH)
Antonia Pellegrino, Roteirista
Linda Sarsour, Copresidenta Nacional da Marcha das Mulheres em Washington, ex-Diretora Executica da Associação Àrabe-Americana de Nova York
Naomi Klein, autora e jornalista
Ayo Obe, Presidente da Organização de Liberdades Civis da Nigéria
Baltasar Garzón, Advogado Internacional de Direitos Humanos
Thandie Newton, Atriz e Ativista
Celso Amorim, ex-Ministro das Relações Exteriores do Brasil
Chris Williamson , Membro do Parlamento Britânico
Danny Glover, Ator, Diretor e Ativista
Shaun King, Jornalista e Ativista dos Direitos Civis com Black Lives Matter
Pamela Anderson, Atriz
Gael García Bernal, Ator e Diretor
Julian Assange, Editor, Wikileaks
Alfonso Cuaron, Cineasta
Opal Tometi, Co-Fundadora do movimento Black Lives Matter, Diretor Executivo da Black Alliance for Just Immigration
Oliver Stone, Cineasta
Viggo Mortensen, Ator
Yanis Varoufakis, ex-Ministro das Finanças da Grécia
Renata Avila, Advogada de Direitos Humanos Guatemalteca, Defensor dos Direitos Digitais
Cheryl Carolus, Ativista e Político Sul-Africano
Jean-Michel Jarre, Músico
Slavoj Žižek, Filósofo, Instituto Birkbeck de Ciências Humanas