“Mais importante que construir moradia é levar cidade”, afirma Ermínia Maricato na abertura do Seminário Nacional de Athis
26 de novembro de 2019 |
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Apresentação da arquiteta e urbanista Ermínia Maricato no Seminário Nacional de Assistência Técnica para Habitação de Interesse Social
“Athis é a saída. Não temos alternativa”, afirmou a arquiteta e urbanista Ermínia Maricato na conferência de abertura do Seminário Nacional de Assistência Técnica para Habitação de Interesse Socia (Athis), no dia 25 de novembro. A ex-secretária de Habitação e Desenvolvimento Urbano do município de São Paulo, ex-ministra adjunta do Ministério das Cidades e coordenadora nacional do BrCidades chegou a essa conclusão ao observar que o desenvolvimento das cidades se deu, nos últimos 60 anos, de forma desordenada, e os planos diretores e outros instrumentos urbanísticos não levam em consideração a cidade real.
“Entre os anos 40 e 80, 71 milhões de pessoas vieram para as cidades, mas a cidade não existia. Essas pessoas produziram seus assentamentos”, explicou Maricato. “É uma produção que é desconhecida, invisível. Temos uma narrativa que não mostra que a ‘regra’ é a exceção. A produção informal, ilegal, sem conhecimento técnico da moradia é uma regra, que não é vista como regra na representação das cidades”, criticou.
A arquiteta fez um histórico de iniciativas de Athis em todo o país e questionou por que, mesmo com essas experiências, um projeto como o Minha Casa Minha Vida pôde ser implantado. “Precisamos fazer uma promessa de nunca mais construir moradia sem cidade”, sugeriu. “Muito mais importante que construir casa nova, é dar condições saneadas, salubres, dignas para quem está morando. É levar cidade para esses lugares. Olha o tamanho da tarefa de Athis”, resumiu.
Exercício de esperança

Mesa de abertura do Seminário Nacional de Athis: Jeferson Salazer, Maíra Rocha, Cícero Alvarez e Danilo Batista
O Seminário Nacional de Athis começou a ser pensado, segundo o gerente geral do CAU/RJ, Ricardo Gouvea, há um ano, em conjunto com Ermínia Maricato. O evento é realização conjunto do Fórum BrCidades, da FNA e dos Conselhos de Arquitetura e Urbanismo de nove estados (RJ, MG, SC, RS, SE, BA, PE, PA e GO), além do CAU/BR. Gouvea propôs à plateia um exercício de esperança e apresentou o seminário como o ponto de largada para o futuro. Ao final do evento, será gerado documento que mapeia obstáculos, avanços e estratégias de ação na área de Athis, com vistas às eleições municipais de 2020 e ao 27º Congresso Mundial da UIA (UIA2020RIO), que acontecerá no Rio de Janeiro.
O seminário homenageou também o arquiteto e urbanista Clóvis Ilgenfritz, um dos pioneiros da defesa da assistência técnica pública e gratuita, que faleceu no sábado, dia 23 de novembro. A coordenadora da Comissão de Athis do CAU/RJ, Maíra Rocha, mediou a mesa de abertura e lembrou o arquiteto e urbanista Demetre Anastassakis, que dedicou a vida à arquitetura de interesse social, e a vereadora Marielle Franco, autora do projeto de implementação da assistência técnica na cidade do Rio, transformada na Lei 6.614/2019. Ela afirmou ainda que a atuação do CAU nesta área vai além da aplicação de 2% de seus recursos, com a promoção do debate sobre Athis.
Ao citar o legado de Clóvis e Demetre, o presidente do CAU/RJ, Jeferson Salazar, ressaltou o papel social do arquiteto e urbanista. “Temos o compromisso de fazer com que essa semente germine, temos que dar esperança e transformá-la em uma possibilidade real para a população”, disse. “A função social é intrínseca da nossa profissão”, complementou Danilo Batista, presidente do CAU/MG e coordenador do Fórum de Presidente do CAU.
“É muito gratificante ver como o CAU avançou na questão da Athis, muito mais que a questão financeira, está ajudando a criar uma consciência desse papel entre os profissionais”, observou Danilo. O presidente da FNA, Cícero Alvarez, destacou a importância das entidades no estímulo à Athis. Enquanto Josemeé de Lima, conselheira federal por Alagoas e representante do CAU/BR, disse que a Athis é um direito fundamental do cidadão, como a saúde e a educação.
Resultados da Pesquisa Nacional de Athis
Os pesquisadores do Observatório das Metrópoles (Ippur/UFRJ) Adauto Cardoso e Thais Velasco apresentaram os resultados da Pesquisa Nacional de Assistência Técnica, realizada em parceria com CAU/RJ. Eles explicaram a metodologia usada e alertaram sobre o cuidado ao citar os dados apurados, já que o campo nacional de Athis não é conhecido. Eles explicaram que se trata de uma pesquisa exploratória, com objetivo de fazer um mapeamento do que está acontecendo na área e que os dados coletados levantam hipóteses sobre a atuação dos agentes.
O questionário disponibilizado na internet foi dividido em perguntas que buscavam a caracterização do agente e o relato de até três experiências em Athis. A pesquisa foi respondida por 186 pessoas, sendo que mais de 50% dos respondentes (97) estavam na região Sudeste, seguidos pelo Nordeste, o que reflete a origem da pesquisa.
“A falta de recursos aparece como grande desafio para as ações de Athis”, explicou Thais Velasco. Outras dificuldades estão ligadas a entraves burocráticos e com as prefeituras e a mobilização popular. A pesquisa identificou também uma divisão entre os conceitos de “assessoria” e “assistência” técnicas e levantou vários questionamentos que serão debatidos nos grupos de trabalho do Seminário, ligadas à atuação dos profissionais da construção civil, formação universitária, interdisciplinaridade, relação com as políticas de habitação, entre outros.
Confira, abaixo, a íntegra da transmissão do primeiro dia do Seminário Nacional de Athis