Encontro do CAU/RJ reúne representantes de quatro prefeituras, da academia e da sociedade em Angra dos Reis
Evento discutiu, nos dias 30 e 31 de outubro, desenvolvimento urbano sustentável e assistência técnica para habitação de interesse social
6 de novembro de 2018 |
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VII Encontro com a Sociedade – Angra dos Reis reuniu cerca de 70 pessoas entre arquitetos e urbanistas, representantes da sociedade civil e gestores públicos
Expansão da malha urbana, gestão dos resíduos sólidos, saneamento básico, valorização dos espaços públicos e implantação da assistência técnica, pública e gratuita, para habitação de interesse social e situação das comunidades tradicionais foram temas discutidos na edição Angra dos Reis do VII Encontro com a Sociedade do CAU/RJ. Evento reuniu, nos dias 30 e 31 de outubro, arquitetos e urbanistas da Costa Verde, representantes da academia, de movimentos sociais e da sociedade local. Procurador do Ministério Público Federal, Secretários e subsecretários das prefeituras de Angra dos Reis, Volta Redonda, Rio Claro e Paraty marcaram também presença.
As cidades que compõem a Costa Verde fluminense vivenciaram uma grande transformação nas últimas décadas. De acordo com dados do Censo de 2000 a 2010, a população urbana da região passou de 238.050 habitantes para 341.077. Um crescimento de 43%. Contudo, os investimentos em infraestrutura e em planejamento, por exemplo, não acompanharam a expansão da malha urbana. Degradação do meio ambiente, ocupação desordenada do território e privatização de território público são alguns reflexos da ausência do Estado no ordenamento do território. A negação do direito à cidade a uma parcela significativa da população, que vivem em muitos casos em áreas de riscos e sem acesso a serviços básicos, como coleta de lixo, água e escola para os filhos, é outra consequência.
Para a palestrante e representante da prefeitura de Rio claro Roberta Coelho, o saneamento básico é o grande desafio das cidades da Costa Verde e do país. Estudo do Banco Mundial, no período de 2011 a 2015, aponta avanço de apenas 2,16% no saneamento básico nacional. Em 2017, o investimento foi de R$ 18 bilhões, o mais baixo desde 2007. No primeiro semestre deste ano, a despesa da União no setor caiu a quase um terço do valor gasto nos primeiros seis meses do ano anterior. Para 2019, o orçamento federal prevê um gasto de apenas R$ 941 milhões. Uma redução de 32% em relação a este ano. “A falta de saneamento básico, o baixo investimento em controle de obras, mananciais degradados e captação deficiente são fatos que nos atrapalham”, destacou Roberta. O tratamento eficaz da água e esgoto não é luxo destinado apenas às cidades dos países desenvolvidos. Roberta apresentou o exemplo de Franca, cidade do interior paulista, que tem 99,96% da água e do esgoto tratados. “Franca constrói, há 15 anos, uma estação de tratamento. Não é uma ação isolada de um prefeito, mas uma política de governo onde os gestores se comprometeram com a evolução e o desenvolvimento da cidade”, afirmou.
Ao apresentar o painel “Cidades sustentáveis: repensando a cidade para o futuro”, o arquiteto e urbanistas, diretor do Instituto de Pesquisa e Planejamento Urbano de Volta Redonda (IPPU-VR), Gerval Junior, defendeu maior integração entre os órgãos da administração municipal e apresentou experiência envolvendo a Secretaria Municipal de Meio Ambiente (SMMA-VR), IPPU-VR e instituições de ensino superior da região para catalogação das árvores do município e compartilhamento de projetos. “A integração entre as diferentes pastas da administração é importante para que os gestores saibam o que cada um está fazendo. Percebendo a preocupação com a arborização urbana, O IPPU e a SMMA passaram a compartilhar projetos e diversas outras informações através do Google Docs. Graças ao compartilhamento na nuvem, a SMMA consegue direcionar as compensações ambientais para cada novo projeto licitado, indicando locais e quantidades de árvores a serem plantadas. O convênio com as universidades foi fundamental nesse sentido. Até o momento, foram mapeados 450 quilômetros de vias urbanas e as árvores desses locais foram todas catalogadas”, explicou Gerval Junior.
A mesa-redonda Urbanização e Meio Ambiente contou ainda com apresentações do secretário executivo de Planejamento e Gestão Estratégica de Angra dos Reis, André Pimenta, e da arquiteta e urbanista, conselheira do CAU/RJ, Sandra Sayão, que discutiram os temas cidade inteligente: impacto na gestão urbana e os novos empreendimentos na era da tecnologia, respectivamente. Enquanto o secretário apresentou todas as iniciativas da prefeitura para melhorar a gestão urbana, como a licitação do sistema de geoprocessamento e a reunião dos diversos indicadores da cidade em plataforma digital, Sandra Sayão colocou em cheque os resultados “astronômicos” da escala dos projetos atuais em relação à escala humana. “Isso só é possível mediante movimento tecnológico e matemático e a programas que permitem a criação de projetos dessa robustez, além de uma engenharia alinhada com o desenvolvimento dessa natureza. É emblemático, é cartão postal, marca a cidade como arrojada, mas a escala humana é nenhuma”, disse Sandra.
Reconhecimento das comunidades tradicionais e o direito à cidade
A segunda mesa-redonda da edição Angra dos Reis do VII Encontro com a Sociedade debateu a especulação imobiliária e a situação dos povos tradicionais e o acesso às praias. Participaram das discussões o procurador da república Igor Miranda, a líder comunitária da comunidade quilombola Santa Rita do Bracuí Marilda de Souza e o representante da campanha Praias Livres, Mentes Abertas Cesar Américo.
Apesar do artigo 5º da Constituição Federal brasileira, no inciso 15, garantir o direito de ir e vir e o artigo 10º do Plano Nacional de Gerenciamento Costeiro (Lei nº 7.661/88) deixar claro que “as praias são bens públicos de uso comum do povo, sendo assegurado, sempre, livre e franco acesso a elas e ao mar”, Angra dos Reis registra várias tentativas de privatização de sua frente marítima. A geógrafa Irene Ribeiro mapeou, em pesquisa de mestrado na Universidade Federal Fluminense (UFF), 55 praias privatizadas entre o bairro de Mombaça e a Estrada do Contorno. Cesar Américo apresentou como exemplo o caso da Fazenda Gipóia. “O fechamento das praias gera impactos negativos também à economia, com perda de arrecadação com turismo, além de impactos ambientais causados pelas construções a beira mar”, criticou.
O procurador da República destacou a importância do controle social no combate à privatização das praias em Angra dos Reis e a todos os outros tipos de irregularidades na cidade e em toda a Costa Verde. Para Miranda, há um passivo cruel na cidade devido a total ausência de controle, por parte do município, quanto a exigência de servidões – vias públicas, em propriedade privada, à área de uso comum, como praia. Ainda segundo o procurador, o passado tem que ser combatido, mas os novos projetos precisam se adequar às legislações em vigor. “Projetos não podem ser aprovados pela prefeitura sem que a servidão esteja estabelecida. Isso compete à prefeitura. Não adianta sanear um passivo, se o presente ainda é a manutenção da privatização de praias”, alertou.
A privatização da frente marítima da Região da Costa Verde, com instalação de resorts e de condomínios, não foi acompanhada de investimentos em saneamento básico. Todo o esgoto das construções desagua no mar, com sérios impactos à vida marinha e às comunidades tradicionais. Segundo Marilda, as poucas praias com acesso livre à população, a exemplo das Praias do Frade e da Itinga, sofrem com a poluição. A líder do quilombo Santa Rita do Bracuí aproveitou o encontro para externar preocupação quanto ao processo de titulação da terra da comunidade. “De acordo com os representantes do Incra, que estão sempre em contato com a gente, o Relatório Técnico de Identificação e Delimitação (RTID) foi a Brasília e os papeis estão prontos para serem assinados pelo presidente. Se o novo presidente assinar, será ótimo. Se não, vamos ter que esperar mais um tempo”, lamentou.
Conselho de Arquitetura e Urbanismo mais próximo da sociedade
O VII Encontro com a Sociedade do CAU/RJ levou, pela primeira vez na história do Conselho, debates importantes sobre os desafios das cidades e da profissão para o interior do estado. Antes de Angra, Nova Iguaçu e Maricá sediaram o evento, que debateram a Lei de Assistência Técnica para Habitação de Interesse Social (Athis) e a Regularização Fundiária, respectivamente.
A atual gestão do CAU/RJ tem lutado muito em defesa da implementação da lei de Athis. A presidência da autarquia já discutiu o assunto com os prefeitos de Miguel Pereira, Rio das Ostras, Angra dos Reis, Maricá e Volta Redonda. O assunto também está em discussão com presidentes das Câmaras de Vereadores e parlamentares. No Rio de Janeiro, o CAU/RJ é um dos principais atores em defesa da aprovação do Projeto de Lei 642/2017, que institui a Assistência Técnica Pública e gratuita para projeto, construção, reforma e regularização de habitação de interesse social para as famílias de baixa renda.
“O Conselho tem sempre se posicionado em defensa do pleno exercício da profissão. Ao longo deste ano, estivemos com vários prefeitos, legisladores, representantes da sociedade civil organizada, órgãos e empresas públicas para tratar de questões como a regulamentação da lei de Athis, exercício profissional, planejamento urbano, entre outros assuntos”, explicou a presidente em exercício do CAU/RJ, Maria Isabel V. Porto Tostes.