Descaso com o Centro de Referências de Tradições Nordestinas
2 de fevereiro de 2018 |
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* Tainá de Paula
É preciso falar sobre o desencontro de informações acerca do Centro de Referências de Tradições Nordestinas
A RIOTUR, empresa pública vinculada à Prefeitura do Rio de Janeiro, rescindiu o contrato com a associação que administra a Feira de São Cristóvão. Em 45 dias, feirantes e Prefeitura formarão uma nova comissão para a gestão do espaço, conforme publicado em diário oficial municipal no dia 26/01/18. Enquanto isso a Feira continua aberta e funcionando.
Dito isto, é preciso esclarecer que a feira descumpre quase todas as regras de funcionamento de um espaço público de aglomeração, como vigilância sanitária, regras de incêndio e acessibilidade. Há erros estruturais de projeto. As lonas nunca funcionaram, bem como a exaustão dos espaços. A drenagem superficial é ineficaz, fruto de uma deficiente rede separadora (pluvial e esgoto separadas) ou de um possível subdimensionamento da vazão de água.
É preciso refletir tanto sobre os erros de execução quanto os erros oriundos do processo licitatório (grande gargalo da qualidade arquitetônica no Brasil), que delegam às empresas construtoras o papel de detalhamento do projeto. Até que ponto o projeto de Sérgio Bernardes tem erros de desenvolvimento ou foi massacrado pela lógica brasileira de execução de obras e por reformas que seguiram o mesmo padrão (sem a chancela do autor).
Para além das mudanças estruturais necessárias em nosso modo de construir, é urgente discutir o descaso da Prefeitura com a gestão do contrato e com a administração da Feira. A dívida por exemplo com a Light já passa dos cinco milhões e até sexta-feira passada o fornecimento de água havia sido cortado, estando a feira em funcionamento às custas de geradores e carros pipa (!).
Enfim, é preciso denunciar a ineficiente gestão do Patrimônio Cultural Material e Imaterial da cidade do Rio de Janeiro (a Feira de São Cristóvão está registrada como patrimônio imaterial desde 2010 pelo IPHAN). É urgente, nós arquitetos, historiadores antropólogos e demais profissionais que pensam as cidades à luz do patrimônio, fazermos uma reflexão e nos debruçarmos sobre os últimos fatos protagonizados pela Prefeitura do Rio de Janeiro em relação ao Patrimônio. A falta de políticas para sanar as dificuldades enfrentadas pela Casa do Jongo, Feira de São Cristovão, Instituto de Pesquisa e Memória Pretos Novos e tantos outros. Qual a explicação para a falta de publicidade, ausência de catalogação e cuidado arqueológico com acervo do Cais do Valongo? Quando falaremos sobre a museografia do então intitulado Museu da Escravidão e da Liberdade Museu publicamente? Quando veremos projetado um plano cultural das lonas culturais da cidade, atreladas às políticas de educação e espaços expositivos públicos?
Qual gestão dará prosseguimento ao finado projeto e requalificação do conjunto edificado das Ruas Sá’s? Corredores Culturais? O que fazer com os vazios imobiliários da Rua da Carioca? Os cinemas do subúrbio?
São muitos os desafios e infelizmente a atual gestão municipal se revela inapta a equacionar os problemas da gestão patrimonial de uma cidade que é Patrimônio da Humanidade. Uma lástima com nossa memória e com nossa cultura.
* Tainá de Paula é arquiteta e urbanista, ativista feminista, especialista em Patrimônio Cultural pela Fundação Oswaldo Cruz. Atualmente é Coordenadora Regional da Plataforma Brasil Cidades e consultora técnica do Movimento dos Trabalhadores sem Teto do Rio de Janeiro