Relação entre ética profissional e a construção de cidades mais felizes é discutida no último dia do 4º Encontro com a Sociedade
Organizado pelo CAU/RJ, evento reúne arquitetos e urbanistas, estudantes, profissionais de diversas categorias e representantes da sociedade civil
6 de outubro de 2015 |
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Vicente Giffoni, presidente da Asbea/RJ; Jerônimo de Moraes, presidente do CAU/RJ e Nilo Ovídio, presidente da Seaerj na mesa de abertura do 4º Encontro com a Sociedade. (Foto: Fernando Alvim)
Participaram do encontro a professora do Departamento de Ciências Sociais da PUC-Rio, coordenadora do Núcleo de Estudos e Projetos da Cidade (Central) e integrante do Conselho de Informações Estratégicas do Instituto Municipal de Urbanismo Pereira Passos (IPP) Maria Alice Rezende; o advogado trabalhista e ex-presidente do Tribunal de Ética da OAB-RJ João Baptista Lousada Câmara; e o advogado com atuação em mediação comunitária e direitos humanos e secretário executivo do ISER, Pedro Strozemberg. O evento contou ainda com a presença dos presidentes da Seaerj, o engenheiro Nilo Ovídio Lima Passos, e da Asbea/RJ, Vicente Giffoni.
Na mesa de abertura, o presidente do CAU/RJ, Jerônimo de Moraes, ressaltou a importância do projeto completo como instrumento social de controle em obras públicas. “O projeto dá mais precisão ao orçamento, ao cronograma da obra. As obras sempre podem sofrer alterações, mas não dessa ordem que nós temos assistido, em que o preço triplica. Precisamos pensar na função dos arquitetos e urbanistas, na importância de nossa metodologia de trabalho e o impacto social que ela traz”, afirmou.
Ouça entrevista do presidente Jerônimo de Moraes sobre o tema para a Rádio Justiça
O presidente da Seaerj, Nilo Ovídio, propôs uma discussão sobre ética a partir da origem da palavra, que significa costume, caráter superior. Já o presidente da Asbea/RJ, Vicente Giffoni, afirmou que, para exercer a profissão com ética, os arquitetos e urbanistas devem, primeiramente, entender seu papel na sociedade: “Somos vetores do processo de transformação da sociedade e devemos compreender o alcance e a importância de cada intervenção para a história e a qualidade de vida das pessoas”.
Confira as fotos: https://www.caurj.gov.br/?p=18253

Pedro Strozemberg, o Conselheiro Eduardo Cotrim, João Baptista Lousada e Maria Alice Rezende falam sobre ética no 4º Encontro com a Sociedade. (Foto: Fernando Alvim)
Cidade e felicidade
A professora Maria Alice Rezende abriu as palestras da noite abordando a ética sob três perspectivas: do ponto de vista da sociedade que deseja um modo de vida urbano melhor; da expectativa que a população deposita no conhecimento dos arquitetos e urbanistas e pela ótica dos profissionais.
“As cidades brasileiras não nos fazem muito felizes”, afirmou, apontando hipóteses para esse desconforto. A professora fez uma análise cronológica da evolução das cidades no Brasil, lembrando parte significativa do grande fluxo migratório da população do campo para as cidades, entre os anos 50 e 80, aconteceu durante o regime militar. “Temos revisitado a experiência política da ditadura, mas não a experiência social. A cidade é um desses lugares de memória que a experiência social mais se evidencia”, explicou.
“O cenário que nos circunda não tem nada parecido com uma cidade democrática. Temos direitos garantidos, mas não seu usufruto. Moradores de favela têm luz, mas se acontece um problema, terão que esperar dias pelo conserto. Temos escolas, mas não educação de qualidade”, acrescentou. Para Maria Alice Rezende, recentemente, diferentes setores da sociedade têm se organizado para debater o ambiente urbano e criado uma nova presença política. “Esses grupos têm compreendido que há uma possibilidade de aliança. A sociedade também começa a reconhecer os arquitetos e urbanistas como guardiães da cidade”, disse.
De acordo com a professora da PUC-Rio, embora a presença dos arquitetos e urbanistas no ambiente político da cidade tenha se alargado, ainda predominam o perfil do profissional autônomo, liberal, e a expressão autoral e artística dos projetos arquitetônicos. “Estamos diante de uma sociedade que está se transformando, exigindo um profissional que pense os desafios comunitários. É necessária uma reflexão sobre o novo papel do arquiteto e urbanista na redemocratização das cidades”, afirmou.
A lei ou a ética?
O advogado trabalhista João Baptista Lousada Câmara trouxe para a discussão um pouco de sua experiência como ex-presidente do Tribunal de Ética da OAB-RJ. “É triste que seja preciso estabelecer regras para o comportamento dos advogados. A ética não deveria necessitar de códigos”, disse.
Câmara lembrou a importância dos arquitetos e urbanistas atuarem de forma ética, considerando as características da profissão. A responsabilidade do arquiteto e urbanista com o futuro é muito maior do que a do advogado, por exemplo. Só se equipara à de pesquisadores e cientistas. “O trabalho do médico e do advogado morre em uma ou duas gerações. O do arquiteto é definitivo e marcante por várias e várias gerações”, comparou.
O coordenador da Comissão de Ética e Disciplina do CAU/RJ, Eduardo Cotrim, que mediou os debates, questionou a diferença entre o que é legal e o que é ético. Para Câmara, é ético cumprir as leis, embora nem toda lei seja ética. Ele criticou a forma como as leis são feitas no país, dando espaço para inúmeros processos de inconstitucionalidade. “Em outros países, uma lei não é sancionada sem antes passar por uma assessoria que julgue sua pertinência”, lamentou.
Dando continuidade ao assunto, o advogado Pedro Strozemberg, citou o exemplo dos moto-táxis nas comunidades para ilustrar o impasse entre a prática cotidiana e a legalidade. “Que bom seria imaginar que as leis buscam suas associações com o modo de vida da sociedade brasileira”, disse.
Strozemberg fez uma breve homenagem ao arquiteto e urbanista Alfredo Britto, falecido no dia 25 de novembro, com quem conviveu na organização Viva Rio. “Britto foi um carioca de alma das mais especiais”, antes de retomar o pensamento da professora Maria Alice Rezende sobre a importância de integração entre os movimentos sociais existentes.
Os debates giraram em torno das mudanças na Lei de Licitações (8.666/93) e do papel de associações e Conselhos profissionais. Ao responder os questionamentos, a professora Maria Alice Rezende propôs uma agenda conjunta entre diferentes categorias para o desenvolvimento das cidades. “A cidade é anterior ao conceito de indivíduo, que tem apenas dois séculos. Antes disso, era feliz quem vivia em uma cidade feliz. Ou a felicidade é pública ou não haverá felicidade”, afirmou.
“Precisamos constituir associações profissionais movidas pelo sonho de uma cidade mais feliz”, acrescentou Rezende.
O evento desta terça-feira encerrou o ciclo de palestras e debates do 4º Encontro com a Sociedade. Nos dias 3, 18 e 24 de novembro, foram discutidos os temas: as grandes aglomerações e o papel da política urbana na superação da crise brasileira; o plano de desenvolvimento urbano metropolitano; e assistência técnica – Minha Casa Minha Vida Entidades e boas práticas.
O CAU/RJ agradece a participação de todos.
Confira como foram os primeiros dias do Encontro com a Sociedade:
As grandes aglomerações e o papel da política urbana na superação da crise brasileira