O CAU-RJ repudia veementemente o assassinato de Moïse Mugenyi Kabagambe, no dia 24 de janeiro de 2022 no Quiosque Tropicália, na Barra da Tijuca, zona oeste do Rio de Janeiro. Moïse, de 24 anos, natural da República Democrática do Congo e refugiado no Brasil, foi brutalmente espancado por cinco homens por cobrar diárias não pagas de trabalho.
Moïse chegou ao Brasil ainda criança, acompanhado de seus irmãos. Aqui, ele e sua família foram reconhecidos como refugiados pelo governo brasileiro. O brutal assassinato de Moïse revela mais uma expressão do racismo estrutural enraizado na sociedade brasileira, bem como a xenofobia. É importante salientar que os refugiados não são um grupo homogêneo. Refugiado é um status político, não um reconhecimento identitário, as pessoas são originárias de países diferentes, têm especificidades no que diz respeito à cultura, condição social, grau de escolaridade, entre outros. Sua identidade será percebida, reconhecida, classificada e demarcada de acordo com os padrões de cada sociedade.
O refúgio é um direito previsto e um dever humanitário (Declaração Universal dos Direitos Humanos de 1948 (art. 26), tendo em vista as situações de guerras e conflitos políticos e econômicos, seguidos de estupros, assassinatos, sequestros e diversas ações violentas presentes no cotidiano de quem solicita refúgio em outro país. O refúgio é um direito garantido no Brasil através da Lei do Refúgio (Lei 9.474, 1997), passando pelos princípios e garantias da política migratória brasileira estabelecidos na Lei de Migração (Lei 13.445, 2017). No entanto, infelizmente, como acontece com muitos brasileiros, esses direitos não são resguardados mesmo estando amparados pela Constituição Brasileira.
Os congoleses representam o terceiro maior grupo que teve a condição de refúgio reconhecida pelo governo brasileiro, entre 2011 e 2020 1.050 cidadãos tiveram o reconhecimento do status de refugiado. (fonte “Refúgio em números, 6ª edição, 2021)
Os desafios que imigrantes de forma geral, e refugiados mais especificamente, enfrentam na dinâmica urbana das cidades brasileiras são enormes: idioma, trabalho, moradia, questões documentais, e xenofobia em muitos casos. O caso de Moïse traz à tona o cruzamento do lugar de exclusão ao qual é relegada grande parte dos refugiados urbanos no Brasil e no mundo: discriminação racial, segregação socioespacial, xenofobia e negação dos direitos trabalhistas e sociais.
Temos indicadores fortes de um estabelecimento da população refugiada nas periferias urbanas, e percebe-se que as populações que vivem nos locais mais vulneráveis são em sua maioria as que vêm dos países africanos. Temos uma relação histórica no país de desigualdade social e racial, e isso se expressa na dinâmica urbana, locais e condições de moradia, e por isso, possibilidade de acesso à serviços, garantida dos direitos básicos, limitações de mobilidade pelo alto custo do transporte, discriminação no mercado de trabalho – para além da delicada condição de refugiado, a condição racial.
Além disso, temos também uma fragilidade nas políticas de atenção a refugiados no que tange o abrigamento e acolhimento. Temos no Brasil, além da questão crítica da desigualdade social, um enorme déficit habitacional, totalmente relacionado às condições de trabalho e renda e acentuado pelas fragilidades das políticas de moradia. Nesse sentido, os refugiados se inserem diretamente em todas essas fragilidades. Por isso, é tanto uma questão de se levar o tema do refúgio às discussões sobre políticas habitacionais e direito à cidade, quanto o inverso, trazer a questão das deficiências de garantia dos direitos sociais básicos, que terão uma repercussão direta na garantia dos direitos dos refugiados, para as discussões sobre refúgio na complexidade das dinâmicas urbanas.
Manifestamos nossa solidariedade e condolências aos familiares e amigos de Moïse, bem como à toda a comunidade congolesa residente no Brasil, através da Comissão de Equidade e Diversidade do CAU-RJ. Pedimos celeridade das investigações e punição dos culpados, e reafirmamos a defesa da democracia e dos direitos humanos e constitucionais a todos e todas.