Para superar os desafios urbanos, sociais e econômicos, o governo de Cabo Verde investe na elaboração de um plano piloto de urbanização de assentamentos informais. O trabalho é inspirado na experiência do Favela-Bairro, primeiro programa de urbanização de favelas da cidade do Rio de Janeiro. A convite do governo cabo-verdiano, o arquiteto e urbanista Manoel Ribeiro, autor dos projetos da Serrinha, Cantagalo, Pavão-Pavãozinho, São Carlos, Mangueiral, Vigário Geral e Parada de Lucas, encontra-se no país africano para desenvolver o projeto na cidade de Mindelo, principal centro urbano da Ilha de São Vicente.
As primeiras áreas de intervenção serão: Alto Bomba, Canalona, Covoada de Bruxa e Fernando Pó. Ao todo, serão investidos cerca de 100 mil contos, cerca de R$ 4 mil, no âmbito do Programa de Requalificação, Reabilitação e Acessibilidade (PRRA). O lançamento oficial ocorreu na quinta-feira, 2 de maio, em Mindelo. Evento foi presidido pela ministra das Infraestruturas, Ordenamento do Território e Habitação, Eunice Silva. Dados do perfil do setor de habitação de Cabo Verde, elaborado pelo governo federal, apontam um déficit habitacional nacional de 8,7%. De acordo com o estudo, o país precisa de 26.412 novas habitações até 2030.
Assim como no Rio de Janeiro, os quatro assentamentos informais alvos da primeira fase da intervenção estão instalados nas encostas. Entretanto, o terreno pedregoso é uma das principais características da região. Observa-se também algumas casas de zinco, como registrado em um passado recente das favelas cariocas. “As cidades em Cabo Verde são pequenas. A cidade formal de Mindelo, por exemplo, estende-se nas planícies e vales. Nas encostas encontramos os assentamentos. É um terreno muito seco e com muitas pedras. As pessoas escavam o solo e encaixam as casas. A técnica melhora o conforto térmico das moradias. As pedras retiradas da escavação são reutilizadas depois para fazer pequenos arrimos e, às vezes, as próprias paredes das casas”, disse Ribeiro. Dada a dificuldade de se obter a topografia detalhada das regiões e de projetos executivos, a metodologia de trabalho será semelhante ao desenvolvido na favela da Serrinha.
“A primeira etapa do projeto da Serrinha foi feita em cima de padrões de urbanização ‘piqueteado’ em campo. Houve orientações para os empreiteiros, com medições diárias por um fiscal. A consolidação das aferições ocorria na sexta-feira, seguida da liberação dos pagamentos conforme avanço das obras”, explicou Ribeiro. Ainda segundo o arquiteto e urbanista, a participação dos moradores foi indispensável para o desenvolvimento do plano: “Todos os dias estava na Serrinha. Levantamos o diagnóstico, os moradores apresentavam suas necessidades e desenvolvemos o plano. Negociávamos, por exemplo, pedaços de terreno para passar escadaria. Em troca, dávamos laje para a cozinha. Tínhamos uma reserva de contingência para essas transações, e as coisas eram implantadas a partir de padrões de urbanização dimensionadas em campo junto com empreiteiro”.
Rio de Janeiro abandona política de urbanização de favelas
Mindelo não é a primeira cidade a buscar na experiência carioca práticas e soluções para urbanização de assentamentos informais. Referência internacional, Medellín também se inspirou no Favela-Bairro para realizar a transformação urbana que empreendeu nos anos 2000. Pode-se citar ainda as cidades de Guatemala, Caracas, El Salvador, entre outras. Apesar de toda a expertise, a prefeitura do Rio abandonou as iniciativas de urbanização de favelas e de melhorias habitacionais. O programa Morar Carioca, que tinha como meta urbanizar todas as favelas do Rio até 2016 nunca saiu do papel. Dos 40 escritórios selecionados através de concurso público nacional, dez foram contratados e apenas o projeto da Barreira do Vasco foi concluído.
Manoel Ribeiro vê, com muita tristeza, o desperdício do know-how dos programas de urbanização de favela e de melhorias habitacionais desenvolvidos na cidade do Rio. “Ao abandonar nossa expertise, o Estado abandona a estratégia de distribuição de renda não monetária na forma de infraestrutura e serviços urbanos para os mais pobres”. Ainda segundo o arquiteto e urbanista, as favelas são parte de uma estratégia de sobrevivência de parcela significativa da população. “As favelas são foco de resistência das forças centrífugas do mercado. A tendência é que os mais pobres morem na periferia das cidades, em terrenos mais baratos e desprovidos de infraestrutura, que eterniza sua condição social. Então, as favelas são resistência por estarem localizadas em locais próximo das oportunidades de emprego e de infraestrutura social, como escola, saúde pública e lazer”, completou.
Do ponto de vista econômico e financeiro, investir na urbanização dos assentamentos informais e na melhoria habitacional é mais barato do que construir conjuntos habitacionais nas periferias. “É muito melhor reconhecer o capital físico instalado, sobre as formas das casas, e investir na oferta de infraestrutura, na construção de acessos e oferta de serviços como distribuição de água, tratamento do esgoto, coleta de lixo, entre outros. Há ainda o ganho social, pois a população permanece no local que escolheu para viver”, defendeu Ribeiro.
Assista ao vídeo da primeira fase do programa de urbanização de Mindelo