A Comissão de Exercício Profissional do CAU/RJ organizou, em dezembro, dois dias de seminário para discutir a importância do projeto na rotina do arquiteto e urbanista. Os palestrantes apresentaram uma abordagem mais teórica sobre o assunto, mas destacaram também as mudanças na forma de projetar, causadas pelo desenvolvimento de tecnologias.
A pluralidade da arquitetura e do urbanismo e a necessidade de um profissional multifuncional foram destaques na primeira mesa do evento, “O que é o projeto?”, apresentada por Celso Rayol. “Quando se fragmenta a profissão, o projeto perde valor”, comentou o arquiteto e urbanista. Outro ponto sobre o tema, abordado por Aníbal Sabrosa, foi a sensibilidade e a criatividade no ato de projetar, para atender a demanda dos clientes.
A mesa redonda “Projeto executivo completo” teve a participação da arquiteta e urbanista Luana Grzybowski, que esclareceu a diferença entre projeto executivo e o básico. O primeiro corresponde a 80% de todo processo até a construção. “Sem projeto executivo, se perde a oportunidade de aproveitar plenamente os espaços”, explicou Luana. No final da mesa, Milena Fernandes, coordenadora do Observatório Social, deu voz à questão de licitações de obras públicas.
A mesa “O valor e o preço do projeto” contou com a participação dos arquitetos e urbanistas Joaquim Bertoletti, Aníbal Coutinho e Odilo Almeida, com mediação da Conselheira Sandra Sayão. Bertoletti falou da relação entre o profissional de arquitetura e urbanismo e as incorporadoras e que um escritório que domina a legislação tem mais oportunidades.
Já Aníbal Coutinho afirmou que é preciso explicar para o cliente todas as etapas envolvidas no trabalho do arquiteto e urbanista e quanto tempo é necessário para realizá-las. “Se você não faz essa lista e não define a matriz de responsabilidade, o cliente vai te pagar pelo quê? Pelas pranchas que ele vê?”, argumentou. “Para construir uma passarela, por exemplo, é preciso falar com 30 órgãos diferentes”.
Odilo Almeida explicou o funcionamento da Tabela de Honorários do CAU, que possui entre seus objetivos, balizar as condições justas de contratação e orientar tomadores e contratantes. Ele lembrou ainda que, de acordo com o Decreto 7.983/2013, os valores da tabela podem ser usados em processos licitatórios, sem a necessidade de apresentar três orçamentos.
Seminário discute legislação e novas tecnologias para projetar
O segundo dia do seminário “A importância do projeto” foi dedicado a novas tecnologias, normas técnicas e legislação. Os arquitetos e urbanistas Saide Kahtouni, Silvio Coelho e David Caderman participaram da primeira mesa, mediada pelo Conselheiro do CAU/RJ, Fernando Mendes.
Saide Kahtouni, da Comissão de Estudo de Elaboração de Projetos, Representação Gráfica e Atividades Técnicas de Arquitetura da ABNT, explicou o longo processo de revisão da NBR 13532:1995 e da NBR 13531:1995, sobre elaboração de projetos de edificações e de atividades técnicas, que contam com a participação do CAU/RJ. Ela também propôs uma reflexão acerca das identidades regionais: “Em um país continental como o nosso, será que estamos pensando nessas diferenças em nossas normas”?
Silvio Coelho, que trabalha na Secretaria Municipal de Urbanismo do Rio de Janeiro, com licenciamento e aprovação de projetos, afirmou que há 35 anos faz as mesmas exigências aos mesmos arquitetos. “O que precisamos fazer para melhorar essa relação? ”, questionou, acrescentando que é necessário aprimorar a forma como o texto legal é escrito e praticado. Já o arquiteto e urbanista Davi Cardeman, com 60 anos de trajetória profissional, fez um histórico das legislações, citando os planos Agache, Doxiadis, de Lúcio Costa e o Plano Urbanístico Básico (Pub-Rio).
Para Cardeman, o Rio de Janeiro deve ser projetado de acordo com suas características ambientais, considerando centralidades, como é o caso do bairro de Madureira. Ele também lembrou com saudade dos tempos em que os projetos de arquitetura eram feitos na prancheta, com papel linho, em alusão à mesa seguinte, sobre novas tecnologias, mediada pelo Conselheiro do CAU/RJ, Gustavo Manhães.
Os responsáveis por apresentar as novas tecnologias foram os professores do IFF Luis Gustavo Xavier e Ana Paula Araújo, da UFRRJ. Desenho paramétrico; digitalização 3D; modelagem digital; BIM, foram algumas das tecnologias citadas, embora Luis Gustavo tenha ponderado que algumas delas não são tão novas assim. “A modelagem digital, por exemplo, já é usada em propagandas comerciais há mais de 15 anos”, contou.
Para Ana Paula Araújo, três tipos de tecnologias vão modificar bastante o futuro profissional dos arquitetos e urbanistas: na área da computação, os sistemas CAD/CAM/CAE (Desenho, Manufatura e Engenharias Assistidos por Computador nas siglas em inglês); a área de inteligência artificial e novos equipamentos. Segundo ela, essas novas formas requerem um trabalho colaborativo, em que o maior número de informações deve ser descrito.
Gustavo Xavier falou também sobre o papel das universidades em relação à tecnologia. “A academia não está na ponta desse conhecimento. O mercado de trabalho ainda está ditando as regras”. O professor disse que estimula os alunos a desenhar em sala de aula para eles “se soltarem plasticamente”, mas que muitos projetos já são desenvolvidos de forma digital. “Nós somos de uma geração que aprendeu a projetar à mão, mas as novas gerações já nasceram no mundo digital. Se peço para um aluno fazer um projeto à mão, fora da sala de aula, ele faz no Autocad e decalca à mão”, contou. “É preciso pensar em qual é a contribuição da academia para uma alteração do paradigma nos projetos de arquitetura”, opinou.
O bate-papo com o arquiteto e urbanista Renato Menescal encerrou as atividades do seminário. Com a plenária repleta de ex-alunos e de alguns colegas de trabalho, Menescal, com muito bom humor, lembrou passagens da vida pessoal e profissional. Um dos casos contados foi de quando montou uma exposição sobre arquitetura moderna brasileira para expor na Europa. “Conseguimos oito mil dólares para montar a exposição. Viajamos no dia 30 de março de 1964. No dia seguinte, a revolução estourou no Brasil. Tivemos a notícia no avião. A embaixada brasileira fechou. Era lá que pegaríamos o nosso dinheiro. Mas mãe é mãe. Na despedida, ela colocou um dinheiro no bolso do meu paletó. U$ 500,00. Sobrevivemos oito dias com esse dinheiro”, disse. Os participantes se divertiram também com a história de quando militares o procuraram para projetar o Centro de Educação Física da Marinha:
“Formei-me em 1963 e, em 69, a secretária entrou na sala do escritório para dizer que tinha algum problema comigo porque um almirante e dois marinheiros estavam na recepção para falar comigo. Fui lá, cumprimentei o almirante, depois nos sentamos. Ele queria saber se entendia muito de esportes. Respondi que entendia à beça. Foi aí que o almirante pediu para que conversasse com seus dois auxiliares, que eram mestres em esporte. Falei que tinha um encontro muito importante e se poderiam voltar depois para conversarem. Eles desceram, bebi um copo d’água. As mãos tremiam. Tinha acabado de sair o livro ‘Arquitetura Desportiva’, de Nestor Plasnova. Esse livro saiu logo depois da Olimpíada do México (1968). Li de cabo a rabo. Depois, telefonaram-me perguntando se poderíamos conversar e confirmei. Começaram me perguntando sobre tênis. Altura da rede: 97 cm; tamanho da quadra: 10,37 x 5,37 metros. Perguntaram depois sobre piscinas, altura de trampolim: 1,03 metros. Medidas de trampolim a cinco metros de altura, respondi que, no caso, não era trampolim, mas plataforma. Falei um monte de coisa. No dia seguinte, fui contratado. Foi o nosso primeiro trabalho grande. Fui lá outro dia, estava igualzinho ao que construímos há mais de 40 anos.”