A polêmica lançada pelo IAB sobre o concurso do BNDES expôs um cenário preocupante para a realização de concursos de arquitetura por órgãos da administração pública. A existência de um ordenamento jurídico que favorece a fragmentação do projeto e não garante presença do arquiteto vencedor nas demais fases da obra foi a questão principal levantada durante debate realizado nesta segunda-feira (31), na PUC-Rio.
A discussão foi promovida pela coordenadora do Programa de Pós-graduação em Arquitetura da PUC-Rio, Ana Luiza Nobre, que integra a comissão julgadora, para esclarecer questionamentos e dúvidas a respeito das regras do concurso do BNDES. O debate contou com a participação de representantes do IAB nacional e Rio, do CAU/RJ, arquitetos e advogados do BNDES, da comunidade acadêmica e profissionais.
As equipes de arquitetos e advogados do BNDES puderam expor os fundamentos do edital e esclarecer, ponto a ponto, as limitações legais impostas pelo TCU (Tribunal de Contas da União) e já amplamente discutidas e divulgadas pelo banco de forma oficial. Mais uma vez, o banco ressaltou o compromisso em garantir a presença do arquiteto vencedor nas fases posteriores, a manutenção da unidade do projeto e o respeito ao direito autoral moral.
Desde o lançamento do edital, em fevereiro, o IAB iniciou uma campanha pública em que sugere que os profissionais façam um boicote ao concurso e critica o apoio institucional do CAU/RJ à iniciativa. Para o IAB, o concurso só poderia ser realizado caso estivessem previamente garantidos e divulgados a contratação do vencedor para o desenvolvimento de todas as etapas posteriores e o valor total dos contratos a ser pago ao profissional.
O BNDES argumenta que essas condições não podem ser atendidas e afirma que o edital foi fruto de um trabalho de dois anos, que incluiu conversas com técnicos do TCU e do Ministério Público. O BNDES afirma que o TCU vem condenando a realização de concursos dentro do modelo defendido pelo IAB, por entender que está em desacordo com a lei de licitações. Desde 2006, foram ao menos cinco acórdãos que levaram à anulação de concursos e aplicação de multas contra gestores, sendo o mais recente publicado no último dia 11 de março.
CAU/RJ defende entendimento e negociação
Em outubro do ano passado, o CAU/RJ foi procurado pelo BNDES em busca de apoio institucional para a realização do concurso. Na ocasião, a equipe de arquitetos do banco relatou as dificuldades encontradas para a formulação do concurso, bem como a tentativa sem sucesso de chegar a um acordo para a contratação do IAB. Houve várias reuniões até a assinatura do convênio e a publicação do edital. Presente em audiência pública sobre o certame realizada na sede do BNDES, em fevereiro, o CAU/RJ manifestou preocupação quanto à indivisibilidade do projeto de arquitetura e a necessidade de garantir a participação contínua do profissional responsável pelo anteprojeto vencedor.
“Esse concurso é perverso e deve ser boicotado. Mas o banco está numa posição muito coerente”, condenou o professor universitário Otávio Leonídio, um dos que questionaram o apoio do CAU/RJ. O presidente do CAU/RJ, Sydnei Menezes, explicou que o Conselho optou pelo caminho da negociação por considerar que a realização de concursos é uma iniciativa de valorização profissional. “Quando o concurso foi anunciado, o CAU/RJ questionou o BNDES a respeito de vários pontos do edital. As respostas, naquele momento, foram consideradas ainda insuficientes. Continuamos ampliando a negociação com o banco. Nossa responsabilidade institucional é enorme no processo. Jogamos no risco, evidentemente, pelo avanço desses entendimentos”, explicou Sydnei. “Enquanto não derrubamos essas súmulas do TCU, enquanto não reformulamos a 8666 e derrubamos o RDC, o que faremos? Não faremos mais concursos? Só o faremos na possibilidade ideal e não na possível? Quero propor essa discussão”, questionou.
O presidente do IAB/RJ, Pedro da Luz, por sua vez, afirmou que o instituto não participou do concurso por uma “questão ética” e voltou a fazer um apelo para que o BNDES mude o edital.
BNDES destaca alta procura por concurso
“Suspeitamos que a comunidade dos arquitetos tenha compreendido o que o banco fez”, afirmou Carlos Roberto Haude, superintendente da Área de Administração do BNDES, ao destacar o grande interesse dos arquitetos em participar do concurso, com 68 questionamentos técnicos (até o momento da palestra) e a ampliação do número de visitas guiadas ao terreno.
“Por que fizemos [o edital] dessa maneira? Porque o risco de o concurso ser anulado é muito elevado, isso já está acontecendo. Nos concursos anulados o arquiteto tem que devolver o valor do prêmio e não terá seu contrato firmado. Estamos aqui tentando faze-lo da melhor forma possível e o CAU tem nos ajudado muito nisso. Quem ganha com um resultado negativo ou positivo?”, questionou. “É muito importante a defesa doutrinária, mas é fundamental ter uma visão estratégica. Vocês estão jogando de uma maneira em que a tendência é de os arquitetos perderem e não só em relação ao BNDES, mas a todos os concursos. Isso vai começar a se alastrar. E a tendência é que os tribunais estaduais e municipais passem a seguir a jurisprudência na matéria”, alertou Haude.
O posicionamento do IAB também foi alvo de críticas. Um dos profissionais presentes considerou a estratégia adotada pelo instituto prejudicial aos próprios arquitetos. “Quando o IAB fala que esse concurso não presta e que não se deve fazer, o que vai acontecer no médio e longo prazo? Não vai haver mais concurso! Ou você acha que algum administrador vai assinar sabendo que depois poderá ser punido?”, questionou Rodolfo. “É um tiro no pé, os outros órgãos não vão mais fazer e a gente fica sem concurso. É isso que a gente quer? Ou vamos tentar fazer um omelete com esses ovos? Me parece que essa é a atitude adulta e mais inteligente”, concluiu.
Por fim, o presidente do IAB/RJ, Pedro da Luz, se comprometeu a encaminhar, através dos canais institucionais, os questionamentos e propostas que o instituto considera que ainda carecem de esclarecimentos para que o CAU/RJ volte a interceder junto ao BNDES.
Todos os questionamentos feitos pelo CAU/RJ e o IAB, além das respostas do BNDES, estão disponíveis para consulta no site do concurso. O banco também publicou todas as decisões do TCU que fundamentaram a elaboração do edital nessas condições.
Veja no site do concurso os questionamentos oficiais e respostas do banco.