Foram necessários apenas dez dias para ser erguido, em Wuhan, na China, um hospital com mil leitos destinados aos pacientes diagnosticados com coronavírus. Além da determinação das autoridades locais e da disponibilidade de recursos, contou também a capacidade e o esforço de especialistas em arquitetura hospitalar. Dezenas de guindastes e mais de 7 mil operários, devidamente orquestrados, trabalharam noite e dia na montagem da estrutura, a partir de peças metálicas pré-fabricadas. Nenhuma técnica inovadora, mas surpreendeu a capacidade de mobilização e organização das equipes.
Depois desta primeira iniciativa, muitas outras na construção hospitalar multiplicaram-se à medida do avanço do vírus pelo mundo. Desde as mais simples, como a instalação de 2 mil leitos em um centro de exposições em Teerã, capital iraquiana – feita em apenas 48 horas – até outras mais complexas, para tratamento intensivo, por exemplo, como no caso das cápsulas desenvolvidas pelos arquitetos italianos Carlo Ratti e Italo Rota, no projeto CURA (Connected Units for Respiratory Ailments).
Nos Estados Unidos, o Instituto Americano de Arquitetos (AIA) lançou uma plataforma para reunir projetos de arquitetos do mundo inteiro em resposta à pandemia – o ArchMap COVID-19 já conta com 100 contribuições vindas dos diferentes estados americanos, duas do Canadá e outras seis estrangeiras – da República Dominicana, da Alemanha, da Espanha, da Índia, da Malásia e da Holanda. A iniciativa tem por intenção “apoiar o desenvolvimento de melhores práticas de design para locais de atendimento alternativos”.
Presidente da Associação Brasileira para o Desenvolvimento do Edifício Hospitalar, Elisabeth Hirth comenta que as tecnologias não variam tanto, mas que são um tanto diversas as adaptações às condições de cada local: “no geral, são usadas estruturas metálicas, lona, como as dos hospitais de campanha do exército, paredes divisórias como as de estandes, e também contêineres modulares, que permitem o tratamento do ar. Cada projeto varia conforme a demanda e o local. Estádios esportivos e centros de convenção têm sido as instalações mais propícias, por já contarem com infraestrutura hidráulica e elétrica”, diz Elisabeth.
Especialista em ambientes de saúde, a arquiteta Kátia Fuzzaga corrobora e fala de algumas opções feitas para cada projeto: “há formatos que funcionam bem, quando a demanda tende a crescer; estruturas radiais, por exemplo, têm as áreas essenciais no centro e podem se expandir a partir dele, com vantagem de que todas as partes se conectam bem; o formato modular permite crescimento vertical ou horizontal. Na escolha dos materiais – tanto para divisórias, como para cobertura – há que se considerar a durabilidade, a iluminação, a refrigeração e renovação do ar. Todas essas alternativas são pensadas por arquitetos junto a profissionais de saúde”, explica.
No Brasil, a mobilização dos arquitetos prevendo a necessidade de aumento na capacidade de atendimento às vítimas do coronavírus começou antes mesmo das contratações pelos governos federal, estadual e municipal. “Começamos a pensar em estruturas que pudessem ser montadas rapidamente e aproveitadas em diferentes locais, pois, sendo o Brasil um país de dimensões continentais, imaginava-se que os surtos poderiam ocorrer em momentos diferentes”, conta o arquiteto Carlos Marchesi, da MEP Arquitetura e Planejamento, empresa paranaense especializada na área de saúde.
Por solicitação do Ministério da Saúde, a MEP desenvolveu projetos para hospitais provisórios a serem instalados em estádios de futebol por todo o país. Até meados de abril os projetos da empresa para esses hospitais somavam mais de 1.500 leitos – muitos deles para tratamento intensivo. “Os estádios esportivos são apropriados pois contam com estrutura de apoio – banheiros, camarotes; têm redes de água e esgoto com vasão suficiente; permitem a entrada de ambulâncias e até aeronaves; e têm dimensões padronizadas, o que facilita a adaptação do para uso em vários locais”, diz Marchesi.
Em geral, o campo é dividido em módulos para tratamento de pacientes de baixa complexidade e as UTIs podem ser instaladas em camarotes ou em contêineres nos estacionamentos. Mas isso varia – na Arena Fonte Nova, por exemplo, não chegou a ser usado o campo. O prazo de adaptação das estruturas fica em torno de 20 a 30 dias.
Segundo Marchesi, uma das dificuldades enfrentadas nos projetos foi a falta de instruções normativas. “A princípio, seguimos a RDC-50, que era o que existia”, comenta, mencionando a Resolução, de 2002, da Agência Nacional de Vigilância Sanitária, que estabelece o Regulamento Técnico para planejamento, programação, elaboração e avaliação de projetos físicos de estabelecimentos assistenciais de saúde. Só em abril, a Anvisa publicou uma Nota Técnica específica para hospitais de campanha voltados ao atendimento a pacientes com COVID-19. “É uma norma que define, por exemplo, os limites mínimos de tomadas, instalações de gás etc. É orientativa, não tem poder de lei, mas respalda o nosso trabalho”, comenta o arquiteto.
Além dos estádios esportivos, centros de convenções também foram adaptados para o atendimento médico durante a pandemia. “A ideia é que estas estruturas adicionais possam ser exclusivas para o COVID-19 e, com isso, possamos reduzir a contaminação em hospitais que atendam outras patologias”, explica o engenheiro, com especialização em arquitetura hospitalar, Cleo Pais de Barros, que trabalhou no projeto do hospital instalado no Riocentro, no Rio de Janeiro. Em 16,5 mil metros quadrados de pavilhão foram instalados 500 leitos, sendo 400 de clínica médica e 100 de UTI. Fora isso, o hospital provisório do Riocentro também conta com um centro cirúrgico e um centro de imagens.
“O grande desafio para criar estes hospitais provisórios de atendimento a pacientes com COVID-19 é o desconhecimento do vírus, das formas de contágio e de como atua no organismo. Tivemos que considerar muitas variantes”, conta Cleo, mencionando a necessidade de planejamento nos fluxos de comida e de lixo, o que inclui logística e criação de áreas de transição e de descontaminação. A imprevisibilidade também foi mencionada por Carlos Marchesi: “não temos precisão dos níveis de mortalidade, por exemplo, e isso dificulta a mensuração da demanda de câmaras refrigeradas”, apontou o diretor da MEP.
Vencidos esses desafios, faltam ainda no país condições básicas para o atendimento emergencial: equipamentos (até mesmo para proteção individual) e recursos humanos. “O controle da pandemia é uma equação a ser resolvida por inteiro”, reflete Marchesi.
Fonte: UIA2021RIO