As diferentes possibilidades de oferecer assistência técnica em arquitetura e urbanismo, as formas de democratizar o acesso da população a esses serviços e os desafios de ampliar a assistência técnica como uma política pública foram os temas debatidos durante o terceiro dia do 4º Encontro com a Sociedade, organizado pelo Conselho de Arquitetura e Urbanismo do Rio de Janeiro (CAU/RJ), na CDL, em Niterói, terça-feira (24/11). O próximo evento (Ética, sociedade e atuação profissional) acontece em 1º de dezembro, na sede da Seaerj, na Rua do Russel 1, das 18h às 21h.
Da mesa de abertura, participaram o presidente do CAU/RJ, Jerônimo de Moraes, o vice-presidente, Luis Fernando Valverde, e o presidente do IAB-RJ Leste Metropolitano, Daniel Mendes de Souza. Valverde destacou a importância da abertura do diálogo do CAU/RJ com os diferentes setores da sociedade e disse que o conselho pretende aumentar sua presença em todo o Estado. O evento foi dividido em duas etapas: “Assistência Técnica em Arquitetura e Urbanismo – Minha Casa Minha Vida – Entidades” e “Boas práticas em Assistência Técnica em Arquitetura e Urbanismo”.
Assistência técnica e o direito à cidade
A professora da pós-graduação da UFF Regina Bienenstein abriu as palestras contando sua experiência como coordenadora do Núcleo de Estudos e Projetos Habitacionais e Urbanos (Nephu). “Nossa atuação na UFF tem dois grandes objetivos: a formação de profissionais críticos, que não repitam as fórmulas do mercado imobiliário, e o apoio a movimentos insurgentes para a construção de uma cidade diferente, onde todos têm lugar”, afirmou. “Em uma cidade vista como mercadoria não cabem aqueles que não podem comprá-la”.
Para a palestrante, existem algumas possibilidades de oferecer assessoria técnica: uma voltada para o direito à moradia e à cidade e outra voltada à assistência técnica individual, para a melhoria das residências. “O fundamental é que os movimentos sociais consigam colocar em pauta o direito à cidade. A assessoria coletiva é importante porque começamos a tratar a habitação como parte da cidade, tentando inserir a parcela autoconstruída da cidade nos mecanismos de planejamento”.
Regina Bienenstein lamentou não conhecer um município que tenha implantado a lei de assistência técnica e ponderou que a prática não pode ser exclusivamente uma política de governo. “Um serviço atrelado à prefeitura atenderia parcialmente à demanda da população. Comunidades que estão ameaçadas não seriam assistidas. A Vila Autódromo, por exemplo, está sendo assistida pela UFF e UFRJ”. Para ela, o modelo ideal para a implantação da assessoria técnica seria semelhante ao da defensoria pública: um serviço pago pelo estado, mas independente.
A professora da UFF também contou a experiência do Mama África, um projeto de assistência técnica a 29 famílias que ocuparam dois casarões do século XIX na Rua Passo da Pátria em Niterói. Uma equipe multidisciplinar da universidade, que reuniu professores e estudantes, criou um projeto de dois prédios de cinco andares para reverter condições extremamente insalubres de moradia. O projeto foi adaptado ao estilo de vida das famílias e todas as etapas foram realizadas em parceria com a comunidade. “Acredito numa assistência técnica verdadeiramente transformadora, uma assessoria coletiva e insurgente”, afirmou Bienenstein.
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A experiência do Pouso
Representando a Coordenadoria de Programas de Interesse Social da Secretaria Municipal de Urbanismo do Rio de Janeiro, Cristina Loureiro e Leslie Cristina de Figueiredo falaram sobre o funcionamento dos Postos de Orientação Urbanística e Social, conhecidos como Pousos.
Cristina Loureiro explicou que a coordenadoria é dividida em duas equipes: uma é responsável pelos Pousos e outra voltada para os empreendimentos ligados ao Minha Casa Minha Vida. Leslie de Figueiredo acrescentou que atuam em áreas consideradas de especial interesse social (AEIS). “Das 1.020 favelas existentes na cidade do Rio, 310 são consideradas AEIS. Atualmente existem 30 Pousos que atendem 73 favelas nessas AEIS”.
Leslie destacou ainda que 304 novas áreas foram identificadas pelo órgão como sendo de Especial Interesse Social para serem, posteriormente, declaradas por lei desta forma, permitindo uma ampliação da área de atuação da Coordenadoria no futuro.
Cristina Loureiro falou sobre os projetos ligados ao programa Minha Casa Minha Vida. “Foram licenciadas 90.200 unidades, mas nem todas viraram realidade. Atualmente 41.170 estão em construção”, informou. “Apenas um empreendimento foi construído MCMV – Entidades: a colônia Juliano Moreira em Jacarepaguá”, acrescentou. tuação da Coordenadoria no futuro.
A Coordenadora do Movimento Nacional de Luta pela Moradia, Maria de Lourdes Lopes Fonseca, abriu o debate expondo contradições e compartilhando algumas experiências dos movimentos sociais de habitação. “A gente vive e sobrevive sem arquitetos, professores, advogados. Vivemos bem? Não, mas quando aparece uma possibilidade de que um direito seja garantido, existe uma corrida para que aquilo seja mercantilizado. A assistência técnica corre esse risco. As casas serão construídas a partir de um papel ou nossas vivências serão adequadas ao que está no papel”, apontou.
Lurdinha, como é conhecida, criticou a necessidade de projetos arquitetônicos detalhados, sem os instrumentos para viabilizá-los, enquanto grandes obras do governo são feitas sem essa exigência. “A cidade pode ser entendida pelo ponto de vista do lucro ou pela perspectiva de que todos têm direito a ela, já que ajudam a construí-la”, disse.
Boas práticas em Assistência Técnica em Arquitetura e Urbanismo
Da segunda mesa, participaram o Diretor Técnico do CAU/RJ, Conselheiro Augusto César de Farias Alves, o presidente do Sindicato dos Arquitetos e Urbanistas (Sarj) e integrante do Colégio de Entidades de Arquitetura e Urbanismo, Edivaldo de Souza, as arquitetas e urbanistas Renata Coradin e Fabricia Zulin, idealizadoras do projeto Loteamento de Interesse Social Canhema II, e a presidente da Ong Soluções Urbanas, Mariana Estevão.
O conselheiro ressaltou a importância de discussões como essas e disse que o CAU/RJ cumpria o objetivo de mais ouvir do que falar ao organizar o Encontro com a Sociedade.“Este é um evento pensado como um grande painel para discutir a assistência técnica sob vários enfoques”, afirmou.
“A gente não precisa do que a gente não conhece. Portanto, cabe a nós arquitetos e urbanistas, com o apoio das entidades mostrar como pode ser útil nosso trabalho”, afirmou Mariana Estevão, ao iniciar a palestra.
A arquiteta explicou a metodologia do projeto Arquiteto de Família, que atende famílias do morro Vital Brazil, em Niterói: “Mostramos às famílias o impacto que construções com problemas de iluminação e ventilação, por exemplo, pode ter para a saúde dos habitantes. Avaliamos as moradias e apontamos quais são as prioridades de intervenção como instalação de canaletas, reformas de telhados ou banheiros”. Ela acrescentou que as reformas são viabilizadas por meio de feiras de trocas solidárias e um programa de microcrédito habitacional.
Para Mariana Estevão, são muitos os desafios relativos à assistência técnica, que envolvem a construção de uma política pública, a captação de recursos para que programas de assistência técnica sejam realizados de forma contínua, além da falta de profissionais capacitados. “São necessários três pilares para a construção de melhorias habitacionais: assistência técnica, aprimoramento da mão de obra e a viabilização econômica. Não é tão simples implantar um programa semelhante ao SUS na arquitetura”, lamentou a presidente da ONG, contemplada recentemente com o 10º Prêmio Arquiteto e Urbanista do Ano da FNA.
As arquitetas e urbanistas, Fabricia Zulin e Renata Coradin, do escritório Habitar – arquitetas associadas, idealizadoras do projeto Loteamento de Interesse Social Canhema II em Diadema, São Paulo, expuseram uma experiência de assistência técnica diferente. Procuradas pela Associação Oeste de Diadema, participaram de uma concorrência e estão à frente do projeto para a construção de moradias para 98 famílias que compraram um terreno naquele município paulista.
Renata Coradin detalhou o desenvolvimento do projeto que, posteriormente, recebeu o patrocínio do CAU/BR. Primeiro foi feita a identificação das tipologias habitacionais, seguida da aplicação da legislação para o empreendimento. As arquitetas conversaram com os futuros moradores para identificar quais eram suas necessidades e desejos, como espaço para trabalhar em casa, varandas e garagens. Depois, foram elaborados os projetos executivos e iniciou-se o acompanhamento das primeiras obras.
O presidente do Sarj, Edivaldo Souza, disse que o caminho para a ampliação do acesso à assistência técnica passa pela atuação no campo político seja para a proposição de leis e emendas, seja na aproximação das prefeituras. Citou ainda a pesquisa realizada pelo CAU/BR e pelo Instituto Datafolha, que mostrou que 85,40% da população economicamente ativa que já construíram ou reformaram imóvel residencial ou comercial fizeram o serviço por conta própria ou com pedreiros e mestres de obras, amigos e parentes. “É preciso mudar a impressão popular de que a arquitetura é para quem pode pagar”, disse.