A busca de soluções para desequilíbrios históricos entre os 21 municípios que compõem a Região Metropolitana do Rio de Janeiro em áreas como habitação, saúde e transporte e a criação de mecanismo para uma gestão metropolitana integrada são algumas das principais questões relacionadas à elaboração do Plano de Desenvolvimento Urbano Metropolitano. Com potencial para impactar diretamente a vida de pelo menos 75% dos 16,5 milhões de habitantes do Estado do Rio de Janeiro, o Plano provocou debates acalorados no segundo dia do 4º Encontro com a Sociedade, organizado pelo Conselho de Arquitetura e Urbanismo (CAU/RJ), que aconteceu nesta quarta-feira (18) na sede do IAB-RJ.
Participaram das palestras o diretor executivo da Câmara Metropolitana, arquiteto e urbanista Vicente Loureiro, a professora do Departamento de Geografia da UFMG e ex-coordenadora Territorial do Plano Diretor e do Macrozoneamento da RMBH Heloisa Soares de Moura Costa e o representante da Casa Fluminense, José Marcelo Zacchi.
O Encontro foi aberto pelo presidente do CAU-RJ, Jerônimo de Moraes, ao lado do presidente do IAB-RJ, arquiteto e urbanista Pedro da Luz Moreira e da vice-coordenadora da Abap no Rio, Monica Bahia. A mesa foi integrada também pela a Coordenadora da Comissão Especial de Política Urbana e Ambiental do CAU/RJ (CPUA), Conselheira Rosemery Compans.
Previsto para terminar às 21h, o evento foi encerrado somente às 22h20, devido ao grande interesse do público, formado por representantes de prefeituras e secretarias municipais e entidades, arquitetos e urbanistas, estudantes e integrantes da sociedade civil.
O exemplo de Belo Horizonte
A professora Heloisa Soares de Moura Costa abriu as palestras da noite. Ela falou sobre a experiência do plano para o desenvolvimento da área, que começou a ser elaborado em 2009 e teve como eixos estruturantes a acessibilidade, sustentabilidade, seguridade e urbanidade. Ela ressaltou o fato de uma universidade ter sido contatada para realizar esse trabalho. “É importante não só fazer a universidade sair dos muros, mas levar a metrópole para dentro da universidade”.
Integrada atualmente por 34 municípios, a Região Metropolitana de Belo Horizonte foi criada em 1973. A região, contudo, permaneceu durante décadas sem um planejamento estratégico integrado. Segundo Heloísa, uma das dificuldades na elaboração do plano foi a definição de áreas de interesse metropolitano. “Todos compreendem que áreas de aquíferos interessam a todas as cidades, mas em relação a áreas de habitação precárias, de pessoas que trabalham em outros municípios, essa percepção não é tão clara. É preciso criar uma cidadania metropolitana”, disse ela.
A professora da UFMG explicou o funcionamento do arranjo de gestão metropolitana e destacou as fases de elaboração do trabalho, que teve a participação da população, por meio de oficinas e seminários. Neste momento, o plano aguarda solução sobre como será feita a adequação para atender o Estatuto da Metrópole, sem perder o que já foi elaborado para ele e para o macrozoneamento. “Insatisfeita com a participação no Conselho Metropolitano, a sociedade civil criou um órgão próprio, o colegiado metropolitano”, complementou.
Os desafios da Câmara Metropolitana de Integração Governamental
O diretor executivo da Câmara Metropolitana de Integração Governamental do Rio de Janeiro e Conselheiro do CAU/RJ, Vicente Loureiro, destacou as dificuldades práticas do compartilhamento de poder entre os municípios e outras esferas.
Segundo ele, um acórdão divulgado recentemente pelo Supremo Tribunal Federal mudou a perspectiva de governança metropolitana, abrindo espaço para um modelo compartilhado e para a discussão sobre a titularidade dos serviços públicos. Somou-se a essa decisão, a aprovação do Estatuto da Metrópole, que determina que o plano de desenvolvimento metropolitano seja aprovado em três anos, com previsão de penalidades ao governante, caso o prazo não seja cumprido.
“Há uma visão setorial das cidades. Os planos diretores de transporte urbano, por exemplo, reforçam o modelo de metrópole que está posto. Faltou a nós uma perspectiva de construção de uma metrópole para o futuro”.
Loureiro informou quais são os primeiros passos da Câmara Metropolitana. “Primeiramente, iremos produzir material cartográfico dos municípios da Região. A fotometria já começou a ser feita. Este é um importante instrumento de apoio para os esforços de planejamento”, explicou. Planejam ainda um sistema de informação metropolitano, nos moldes Centro de Operações da Prefeitura do Rio, que atuasse em gestão do trânsito, questões ambientais e monitoramento de áreas de risco. E, finalmente, a elaboração do Plano Metropolitano.
“Estamos nas tratativas finais do contrato com o consórcio liderado pelo escritório Jaime Lerner Associados, que venceu a concorrência internacional para elaboração do plano. A previsão é de dar início ao trabalho na primeira semana de dezembro”, acrescentou o diretor executivo. Ele lembrou a importância da Região Metropolitana do Rio, não só por sua força econômica, sendo o segundo polo econômico do país, mas por sua relevância ambiental, ao abrigar 27 unidades de conservação.
“O Plano de Desenvolvimento Metropolitano deve apontar soluções conjuntas para superar os descompassos existentes entre os municípios. Temos na Região Metropolitana o melhor e o pior IDH do estado. Também é necessário ampliar a eficiência dos serviços públicos, promover equidade territorial e social, dividir oportunidades de empregos e dividir o peso dos transportes”, declarou Loureiro.
Vicente Loureiro ponderou ainda que é preciso pensar em instrumentos de implantação cabíveis. “Não tenho dúvidas de que o transporte de trilhos é a melhor solução, mas que benfeitorias podemos assegurar, efetivamente, nos próximos 15 anos? Que outras opções mais humanas para as pessoas podemos oferecer?”, questionou. “Parafraseando, com todo o respeito o Betinho (sociólogo Herbert de Souza), não é só a fome que tem pressa.
Identidade metropolitana e a despoluição da Baía de Guanabara
Representando a Casa Fluminense, José Marcelo Zacchi ressaltou a ausência de uma identidade metropolitana e citou alguns dos desafios para a integração da região. “Precisamos criar novas centralidades, espaços de moradia e lazer mais próximos para a população. Também existe o desafio da mobilidade urbana do Rio. Hoje as prioridades de transporte não dialogam com os fluxos de deslocamento majoritários da população”, afirmou.
Zacchi apontou ainda para a necessidade de criar um mecanismo de orientação de recursos para a Região, difundir informações sobre a Região Metropolitana de forma transparente para que a sociedade se aproprie do processo de elaboração do Plano Metropolitano e da despoluição da Baía de Guanabara. “A Baía é um espaço central da metrópole, que poderia ser usada em função da mobilidade”, acrescentou.
A conselheira Rose Compans iniciou o debate ressaltando os desafios institucionais, técnicos e políticos para a elaboração do plano. “Há esse imenso desafio de se pensar em escala metropolitana e não mais em escala municipal”, disse, lembrando que até pouco tempo os esforços eram para fortalecer os poderes municipais. Na plateia, o primeiro a falar foi o presidente do IAB, Sérgio Magalhães. Entre outros pontos, disse que uma questão vital que o plano deveria ter como objetivo é a redução das desigualdades nessa grande cidade metropolitana que pode surgir.
Outros participantes também levantaram questões sobre a efetividade da participação popular nas audiências públicas, sobre as parcerias público-privadas, aspectos ambientais entre outros assuntos. A maioria deles apontou a necessidade de a sociedade civil ser ouvida desde o começo da elaboração do Plano de Desenvolvimento e parabenizou o Conselho por abrir espaço para o debate.
Na parte final do debate, Vicente Loureiro citou a recente pesquisa encomendada pelo CAU/BR ao Datafolha, que mostrou que a maioria das pessoas não contrata profissionais especializados para suas obras e reformas. “Essa é a matriz de nossas cidades e de nossas metrópoles. Precisamos debater esse resultado para que seja encontrado um caminho para reverter esse quadro”.
O próximo evento do 4º Encontro com a Sociedade será realizado em 24 de novembro, na Câmara de Dirigentes Lojistas de Niterói, na Rua General Andrade Neves 31, Centro. Haverá duas mesas: “Assistência Técnica em Arquitetura e Urbanismo – Minha Casa Minha Vida – Entidades”e “Boas práticas em Assistência Técnica em Arquitetura e Urbanismo”. O ciclo de debates se encerra no dia 1º de dezembro, Seaerj, na Rua do Russel 1, Glória, das 18h às 21h, com o tema “Ética, sociedade e atuação profissional”.